13 Assassinos - Review
A Lenda de Takashi Miike
O pôster nacional do filme traz a frase "do lendário cineasta Takashi Miike" logo abaixo do nome do longa, quase como uma espécie de subtítulo. Quando uma distribuidora sente a necessidade de estampar com tamanho destaque as credenciais do diretor em todo o material de divulgação, levanta a questão de que talvez este não seja um longa que se sustente sozinho, e precise se apoiar na glória passada de seu realizador.
Logo na primeira cena de "13 Assassinos", entretanto, já dá pra sentir que o filme não se encaixa nessa categoria. O harakiri (suicídio honroso praticado pelos samurais) que dá o pontapé inicial da trama indica que a história contada por Takashi Miike é sobre sacrifício e honra, valor que em um passado distante regia o código de conduta obedecido religiosamente pelos homens que viviam pela espada.
Os escolhidos pelo cineasta para carregar o estandarte da honra são os assassinos do título, samurais liderados pelo veterano Shinzaemon (Kōji Yakusho). O ano é 1840, e esta época de paz são os últimos anos de existência dos guerreiros símbolo de um passado violento. No entanto, essa paz é ameaçada pela ascensão política do Lorde Naritsugu (Goro Inagaki), o cruel irmão do Shogun. Preocupado com o crescente poder do jovem, o oficial do governo Sir Doi (Mikijiro Hira) confia à Shinzaemon a tarefa de assassinar Naritsugu, e o samurai por sua vez reúne um grupo de habilidosos guerreiros para completar a difícil missão de matar um nobre protegido por sua imensa guarda pessoal.
Para dar força ao argumento principal do longa, o diretor Takashi preocupa-se em deixar claro que Naritsugu realmente deve morrer, enfatizando todos os motivos pelos quais o nobre merece o posto de vilão. Para isso era necessário antes de mais nada um ator que externasse toda a crueldade do personagem, algo que Goro Inagaki faz de forma assustadoramente simples, interpretando o sanguinário Naritsugu com uma frieza e uma loucura contida mas sempre a ponto de transbordar. Na qualidade de irmão do Shogun e membro do governo, Naritsugu tem plena consciência de que a lei não o alcança. Por isso ele estupra, mutila e mata mulheres e crianças apenas para seu divertimento, desprovido de qualquer valor moral e guiado apenas pela sua paixão pela violência.
Miike também divide o gosto por sangue com o vilão de seu filme, e esta forte característica de sua assinatura o permite explorar friamente toda a brutalidade de Naritsugu. Diferente do personagem retratado, porém, o cineasta apresenta uma grande maturidade e não faz uso da violência apenas como recurso estético vazio, evitando aproximar o longa de um "Grindhouse" (2007) à la Robert Rodriguez. Aqui o japonês a utiliza como ferramenta narrativa para evidenciar a completa desonra do alvo a ser assassinado, algo tão grave que até mesmo a espada afiada de Naritsugu por diversas vezes não corta como deveria, como se sua lâmina se recusasse a aceitar manchas de sangue derramado sem qualquer motivo.
Balanceando yin e yang, Takashi também manipula seu estilo violento para glorificar ainda mais o sacrifício dos heróis que dão nome ao filme. Contrapondo-se ao jovem cruel estão os samurais de Shinzaemon, homens honrados que seguem o Bushido (Código de Honra Samurai) até a morte. Embora saibam que seu tempo já passou, estes samurais não encaram a nova realidade pacífica como uma afronta à seu estilo de vida, mas sim como um progresso natural que deve ser preservado à qualquer custo em prol do bem comum. Por isso, personificam os valores orientais que prezam pela coletividade em detrimento do pensamento individualista ocidental. Valores pelos quais vale a pena morrer mesmo que em uma missão suicida, na tentativa de conter a ameaça representada por Lorde Naritsugu.
Cada um dos 12 membros iniciais do grupo tem seu passado e suas motivações expostas no filme, numa tentativa bem-sucedida do diretor em criar empatia do público em relação aos personagens. À começar pelo próprio Shinzaemon, que possui uma dinâmica interessante com Hanbei (Masachika Ichimura), o samurai líder da guarda do vilão. Além deste destacam-se Hirayama (Tsuyoshi Ihara), um habilidoso ronin leal à Shinzaemon após a perda de seu próprio mestre, Shimada (Takayuki Yamada), o sobrinho do líder do grupo, e Koyata (Yusuke Iseya), um caçador encontrado pelos samurais preso numa armadilha na floresta, que acaba se unindo ao grupo como seu 13° membro. Este último é um personagem irreverente que serve como alívio cômico, mas a sua caracterização sugere para os mais atentos que Koyata talvez possa ser uma entidade folclórica japonesa chamada yokai.
Este pequeno toque é apenas um dos diversos que contribuem para a aura épica do filme de Takashi, que eleva sua filmografia à um patamar mais apurado e acessível, aprofundando ainda mais os laços com a linhagem cinematográfica de Akira Kurosawa. O diretor é paciente e não procura forçar o ritmo do roteiro, dando espaço para seu filme correr como um rio tranquilo antes de acelerar o ritmo da ação em uma primorosa batalha final de 40 minutos. Por si só esta sequência é um testamento incontestável da grande habilidade de Miike por trás das câmeras, revelando-se um exímio construtor de cenas memoráveis que representam tudo que há de positivo no cinema japonês do gênero. Um poeta que faz da lama e do sangue os versos de seu ode à honra dos guerreiros retratados.
Desta habilidade lírica e da confiança em suas capacidades vem a personalidade forte da obra do diretor, e por este motivo "13 Assassinos" é filmado com tamanha propriedade que é possível esquecer que esta é uma refilmagem do filme homônimo de Eiichi Kudo lançado em 1963. Em momento algum Miike esquece de prestar reverências aos seus mestres e honrar o gênero dos samurais, mas ao mesmo tempo tem consciência de que ele próprio já domina sua arte e que à essa altura não depende mais de comparações com outros nomes do cinema japonês, como uma espécie de ronin da atualidade. Por este motivo, ao final do filme é certo que esta é uma produção contemporânea de rara grandiosidade, e que Takashi Miike realmente faz jus ao título de "lendário" que carrega.
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