Me lembro hoje do texto que escrevi no VIII Janela Internacional de Cinema na cidade de Recife. Akerman recém-falecida a ser homenageada e eu sem saber disso, instigada por ela a escrever. E assim foi:
A vontade dos últimos dias foi o de rever Chantal Akerman (1950 – 2015), a belga que havia me encantado tempos atrás com o documentário Hôtel Monterey (1972), me trouxe no seu triste falecimento a necessidade de ver uma das obras mais conhecidas da autora, necessidade essa quanto mulher, e de ver mulher no cinema.
Assisti então Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975); com todo o cuidado, pois não poderia deixar passar nada. O filme de três horas e 15 minutos em que eu poderia me dispersar a qualquer momento, me surpreendia a cada plano. Planos fixos que conseguem imprimir todo o tempo da vida ordinária de Jeanne, uma marca de Akerman, e também do seu trabalho como documentarista experimental. Planos estes vistos já em Hotel Monterey e que já me fez pensar que foi revisitado por Hitchcock antes mesmo de O iluminado (1980).
O tempo impresso é o da aceitação da angustia e nostalgia de uma vida que será a mesma, sem mudanças, sem perspectivas, em que não se espera mudanças.
Minimalista, onde o silêncio e o tempo falam por seus personagens, o filme nos apresenta Jeanne, que carrega um fardo em sua rotina, o seu filho. Fruto de seu relacionamento com Jack que como diz a própria Jeanne - “Ele veio nos libertar em 1944”, “Ele nos deu chiclete e chocolate e nós demos flores a ele”. Metáfora ou não, Jack um então canadense abandonou Jeanne na França numa vida moribunda, dedicada a seu filho 24 horas e a sua casa, parecendo que realizar todas aquelas atividades domésticas diariamente fosse uma maneira de fugir de um passado encoberto, de ilusão e de cartas que chegavam sempre, mas que nada mudavam.
Surpresa é notar como o filme ainda na década de 70 pode influenciar tanto outras cinematografias, e essa foi a surpresa boa, o de ver como Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles possa ter sido um espelho definidor da então obra contemporânea dos diretores uruguaios Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll (o primeiro falecido) no então reconhecido Whisky (2004) denominador de águas no cinema contemporâneo latino-americano, seja por toda sua identidade estética Camp vista em ambas as obras, pelas sutilezas e metáforas do dia-a-dia, ou por não conseguirmos simplesmente separarmos Jeanne de Marta.
Akerman conseguiu silenciosamente por meio de Jeanne e de seus dias, nos contar mais sobre ela, do que suas próprias palavras, do que sua casa, ou seu filho. Jeanne não se liberta na obra, mas Marta à liberta de certa forma em Whisky, e isso me conforta.
caramba, muito bom o texto Thayná.
"O tempo impresso é o da aceitação da angustia e nostalgia de uma vida que será a mesma, sem mudanças, sem perspectivas, em que não se espera mudanças." - exatamente isso, uma reflexão quase que total sobre o cinema de Akerman (pelo menos o que assisti até agora). Ainda não ví Hôtel Monterey, mas entrou pra minha lista de prioridades.
Obra prima!
Felipe Ishac, muito obrigada! 😁😉
Obrigada Verônica! 😉😁