"Quem Quer Ser Um Milionário?" conseguiu se tornar um azarão das mais importantes premiações do cinema, alcançando grande êxito e aprovação de público e da crítica. O antes favorito "O Curioso Caso de Benjamin Button", com um orçamento e marketing muito maior que o filme de Danny Boyle, viu todos os "seus" prêmios irem para as mãos da produção que retrata a Índia dos dias atuais.
Confesso que me decepcionei muito com filme, por todo o hype sobre ele, todas as boas críticas e elogios a direção "original" de Danny Boyle, em uma história sobre dificuldades, esperança e vitória (o tal "Jai Ho").
O excepcional Dev Patel interpreta Jamal Malik, um jovem pobre e de pouca instrução. Órfão desde pequeno e nascido em uma favela, ele trabalha como "rapaz do cafezinho" em um call center, uma profissão ridicularizada e rebaixada pelas outras pessoas. O destino de Jamal, todos poderiam pensar assim, é nada mais do que uma vida pobre e medíocre. Mas o menino surpreende a todos, e se surpreende, a se tornar o finalista do programa "Who Wants To Be a Millionaire?", uma espécie de "Show do Milhão" indiano, de muito sucesso por lá.
O rapaz está a uma pergunta de ganhar o prêmio máximo, fato inédito num programa onde médicos, advogados, professores universitários e muitos outros intelectuais já passaram e nunca consiguiram chegar até onde Jamal conseguiu. Logo, os organizadores do programa acusam Jamal de fraude e ele é preso e torturado pela polícia. Obrigado a confessar o "crime", ele conta a sua história para o delegado, demonstrando como durante sua triste vida as respostas das perguntas feitas foram surgindo e também contando sobre aquela que foi a grande catalizadora de alguns eventos de sua vida e de sua participação no programa: Latika, o grande amor de sua vida.
A montagem rápida, e os flashbacks que mostram como cada resposta estava na memória de Jamal são interessantes, mas o filme não decola, principalmente quando a trama do romance "impossível" entre Jamal e Latika entra em cena. Por mais que os atores, nas três fases mostradas no filme, tenham uma grande química, é a história do casal que demonstra pouca originalidade ou personalidade. Todos os obstáculos que eles têm de superar, os desencontros, tudo isso faz da trama novelesca demais, com pouco crédito. Isso desconta muito no resultado final do filme, além de tornar Latika uma personagem unilateral e com pouca complexidade, simbolizando uma donzela indefesa que precisa ser salva por um príncipe encantado e viril, coisa que não condiz com uma garota em pleno século 21.
Outro problema está no desfecho do filme. Não, eu não vou revelá-lo, apenas digo que mais parece o final de uma produção infanto-juvenil B, daquelas que passam à tarde na TV aberta. É uma pena que uma trama tão interessante, com um início envolvente, tenha um desenvolvimento frouxo e morno, onde o espectador vai, pouco a pouco, perdendo o interesse no filme.
Uma das maiores sacadas de "Quem Quer Ser um Milionário?" é se passar na Índia dos dias de hoje, retratando a convivência entre uma cultura exótica e uma religião politeísta, artigos milenares, com a pobreza, a desiguldade social, a superpopulação, o preconceito e a intolerância, problemas socio-econômicos típicos no mundo atual. É interessante ver como essas duas realidades se fundem naturalmente, o belo e o feio, aquilo que todo querem ver com aquilo que todos querem esconder. Uma das cenas que melhor mostram isso é quando Jamal e seu irmão Salim roubam os sapatos de turistas que o deixam nas entradas do Taj Mahal, ou quando Jamal, como guia turístico, engana turistas norte-americanos, enquanto esses têm seu carro roubado. Quando descobrem a armação, tudo o que Jamal lhes diz é: "Vocês não queriam ver a verdadeira Índia? Aqui está!"
Outro ponto que merece atenção são os personagens. Em especial Jamal. Como já disse, o trabalho de Dev Patel está impecável. Ele transforma o "favelado milionário" (título original do filme) em um dos maiores e grandes heróis já apresentado pelo cinema nos últimos anos. Jamal é por si só de boa índole, mas isso não o faz um rapaz ingênuo e passivo ante aos acontecimentos e "maldades" ao seu redor. Sem desistir, luta por seus ideais, seja reencontrar Latika, provar a sua inocência, vencer na vida. Patel faz dele um personagem simpático e admirável, com quem o público se identifica e por quem o público torce. Suas cenas com o apresentador de TV (Anil Kapoor) e com o inspetor de polícia (Irrfan Khan) são as melhores do filme, onde temos os melhores diálogos, cheios de ironias e indiretas, demonstrações de preconceito (principalmente por parte do personagem de Kapoor) e de respostas à altura, verdadeiros "tapas com luvas de pelica", por parte de Jamal.
Aliás, os personagens de Kapoor e Khan são incríveis, tão bons quanto os de Patel, os melhores coadjuvantes, se é que podemos chamar assim, que o filme poderia ter. Anil Kapoor principalmente. Ele compõem um personagem incrivelmente real e expressivo. Em poucas cenas, podemos ver sua real impressão sobre Jamal e suas indiretas sobre o rapaz. Já Irrfan Khan tem em mãos um personagem que muito se assemelha ao espectador. Ele vai descobrindo a história da vida de Jamal junto a nós, mas com uma diferença: no início, ele já havia tomado um partido em relação a Jamal, mas vai mudando de opinão conforme o filme passa.
Como já disse, o personagem de Latika é muito mal aprofundado e desenvolvido. Esse erro faz dela um personagem muito fora do contexto do filme, onde os outros personagens são mais reais e e críveis que ela. Mas o trabalho das três intépretes, principalmente da pequena e talentosa Rubiana Ali, que interpreta Latika mais nova, e a belíssima Freida Pinto, que faz a Latika mais velha, é impecável, não podemos culpá-las. Houve, sim, um erro no desenvolvimento do personagem.
Outro personagem com esse problema foi Salim Malik, o irmão de Jamal. Passando as mesmas dificuldades que o heróis da trama, ele, contudo, se envereda para o lado do crime, demonstrando desde pequeno seus envolvimentos e ligações com o crime. Paralelamente, ele demonstra uma grande preocupação com o irmão mais novo, ao mesmo tempo que suas ações ilícitas servem também como obstáculos para o amor de Jamal e Latika, tendo Salim consciência disso. Essa dualidade do personagem, sua densidade, não é estudada nem aprofundada. Isso o torna um ser inacabado, onde suas ações nunca são entendidas pelos espectadores. Podemos julgá-lo por suas ações, tendo em mente as dificuldades pelas quais Salim passou? Mas, se Jamal também as passou e não se tornou um criminoso como o irmão, até onde Salim é um ser traumatizado e produto do ambiente de pobreza onde viveu e até onde é a sua índole que comanda? Até onde Salim é mesmo mau? Se essas perguntas fossem respondidas no filme, o desfecho de Salim teria muito mais significado e importância para os espectadores, do que apenas mais uma cena oca.
Sobre Danny Boyle, tenho que admitir que esse foi um dos seus filmes mais fracos que já vi. Não vi "Sunshine" (e me orgulho disso), nem "Caiu do Céu". Mas se compararmos com o cultuado "Trainspotting" e com o subestimado, mas excelente, "Cova Rasa", esse é um dos filmes mais chatos que Boyle dirigiu, só não perdendo, talvez, para o tedioso "A Praia". A direção de Boyle foi muito comentada entre o público e crítica, mas ela não é nem um pouco revolucionária nem impressionante, e o recurso de flashback, apesar de interessante, não é a coisa mais original do cinema dos últimos anos. A fotografia colorida e ensolarada em muito se assemelha ao já clássico nacional "Cidade de Deus", mas comparar o ganhador de Oscars de Boyle com o excepcional filme de Meirelles é quase uma covardia. O filme brasileiro é bem melhor.
Como último aspecto do filme, comento a cena final, uma espécie de videoclipe feito com os atores nos créditos finais ao som de "Jai Ho", a música tema do filme e vencedora do Oscar. É uma homenagem aos filmes feitos em Bollywood, na Índia, onde a grande maioria dos filmes, sejam roteiros originais, sejam adaptações de filmes estrangeiros (como "Três Solteirões e Um Bebê" e, pasmem, "O Poderoso Chefão"), são musicais, com números de canta e dança dignos de um videoclipe de sucesso. Foi uma grande idéia, a cena foi bem feita e dirigida, a música é dançante e a coreografia é divertida. é interesante também que essa cena não está deslocada do filme, ela funciona muito bem como um número musical que faz parte do filme, até mesmo pela mensagem do filme: a idéia de vitória, da esperança, de que tudo dará certo no final.
Se essa idéia soa meio infantil, ela se adequou muito bem à época em que o filme foi lançado. A crise econômica detonada pelo mercado imobiliário norte-americano criou temor e um sentimento um tanto quanto pessimista. O filme, então, serve como um contra-argumento, onde um herói jovem, descolado, um rapaz comum, vence suas próprias limitações sem pisar em ninguém.
É uma pena que "Quem Quer Ser um Milionário?" não decole. Talvez o que me levou a uma maior decepção foi o hype todo em cima da película antes que eu pudesse assisti-la. Mas, ainda assim, o filme não conseguiu me prender, me envolver por seus próprios méritos. Mas de uma coisa não tenho dúvidas: Jamal Malik é o cara!
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