O cinema argentino vem surpreendendo agradavelmente com suas películas sensíveis, humanas. “Un cuento chino” não fica atrás, com seus personagens extremamente humanos, envoltos em suas dores, suas vontades e suas convicções. As dores que marcam o presente e o futuro; as vontades de todos que muitas vezes ficam apenas na imaginação, seja cortar o pescoço do chato de galochas, seja amar ardentemente a irmã do vizinho; as convicções, que desmoronam quando a vida mostra sua real face.
O filme se inicia ao nos apresentar Roberto de Césare, dono de uma pequena loja de ferragens. Ele é solitário, meticuloso, rabugento. Sabe que a fogosa irmã do vizinho, Mari, o olha cheia de segundas, terceiras e quartas intenções e também a deseja, mas envolver-se com ela seria quebrar aquela rotina, inovar e isso ele não queria. Mas Roberto, tão preso à própria rotina, vê tudo mudar quando seu destino se cruza com o de Jun, um chinês perdido em Buenos Aires, que acabou de ser roubado e não sabe uma palavra de espanhol. Mesmo rabugento e odiando a ideia de ter que carregar o chinês para todo lado e dar-lhe abrigo, Roberto é nobre e bom e simplesmente não consegue abandonar Jun à própria sorte, apesar de tentar várias vezes.
É extremamente interessante ver a forma como Roberto e Jun conversam. Um não entende o outro se não através de alguns gestos. O olhar do primeiro se enfurece com a dificuldade, fica impaciente; o segundo, grato pela ajuda, apresenta um olhar submisso e solícito, tentando não irritar mais o seu benfeitor do que o necessário. E não é a vida assim muitas vezes? Mesmo falando a mesma língua de quem está próximo a nós não conseguimos nos comunicar, dizer o que sentimos. Un cuento chino é, como “Medianeras – Buenos Aires na era do amor virtual”, uma parábola da vida moderna, uma grande metáfora da sociedade atual, onde tudo está tão perto e tão longe.
O roteiro é bem amarrado, apesar de um pouco óbvio no momento em que ilustra o porquê de Roberto e Jun terem se conhecido. Mas isso não diminui a grandeza da obra e da lição, batida, mas verdadeira, de que tudo tem um sentido na vida. A fotografia é um pouco seca e escura, talvez para combinar com o coração de Roberto. A trilha sonora passa um pouco despercebida, por não ser tão potente. Destaque para a atuação de Ricardo Darín como Roberto, sensível, rabugento e humano como ninguém poderia ser.
Um grande filme, que merece ser prestigiado.
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