Tudo tem seu momento. Depois de ter assistido uma série de filmes que se situam entre o medíocre e o suportável deparei-me com esse Laranja Mecânica. Depois de ter engolido filmes rasos, sem almas é tempo de se deparar com o verdadeiro Cinema. É hora de lembrar que eu amo filmes. Estou ciente que uma declaração assim tão banal e sincera ao mesmo tempo pode significar tudo.
Desde a infância eu adoro histórias. Contadas com uma voz doce pela minha avó, e outras inventadas pela minha mãe. Sim eu também sou de uma geração que cresceu vendo desenhos animados, fã de Chaves e outras coisas que não dizem muito, mas que provocam em mim uma nostalgia suave.
Havia muitas fitas cassetes em casa. Algumas escondidas a sete chaves, inacessíveis que faziam parte do que a família amontoara e proibira aos mais novos. Entre elas “Laranja Mecânica.” Mamãe revelara algumas passagens, de forma atenuada e fazendo as vezes o sinal da cruz.
Quando cresci a primeira coisa que fiz foi ler o livro. Digo sinceramente que ambos se igualam. O filme tem parte da imaginação tolhida, mas em compensação tem uma trilha sonora linda e funcional. Os efeitos sonoros são excelentes e até a dublagem (que detesto em geral) nesse caso não diminui a obra. O que me fascina é a paisagem sonora.
Laranja Mecânica foi uma dessas primeiras revelações (Como Matrix, Querelle, O Segredo de Brokeback Mountain, Morte em Veneza que são meus favoritos e tem trilhas sonoras ou paisgens lindíssimas).
Gosto de filmes mais populares como Homens de Preto, Os Goonies, os Indiana Jones e vários outros.
Eu nunca gostei de filmes de violência gratuita e sempre repeti isso para minha mãe. Só que existem vários tipos de violência. E se não existir violência não se valoriza e não se encontra paz e felicidade. A violência nos remete ao sentido da paz.
O que faz um protagonista buscar insistentemente a felicidade e a paz é o incômodo. A conclusão dos contos de fadas só se dá após o sofrer. Então eles vivem felizes para sempre. Histórias carecem de problemas para que se busquem soluções e a coisa ande. Tem idiotas que só pensam em destruir os sonhos, outros que buscam construir, mesmo a custa da destruição. É inato.
Laranja Mecânica segue o ponto de vista de um ímpio. Um anti herói. Eles nos fascinam. Aqui pela primeira vez se vê o efeito perverso de toda narração, o inimigo público número 1; os expectadores compreendem todas as análises e reflexões de um filme como uma crítica, como se eles interpretassem os motivos que o levaram o autor a criar a história, como o desejo de impor a força sua visão, comportamento e pensamento. Muitos autores se preocupam mais em ser aceitos, ficam receosos da reação a obra e esquecem-se de dividir sua criação simplesmente. Preocupe-se apenas em contar, em saber atrair a atenção para o que é dito, não em ser aceito, mas em produzir dúvida. Não superestime seu trabalho, nem subestime a platéia. Essa história de engajamento me causa risos. Eu vejo um idiota dizendo, “Não faça isso, é feio”. E ele nem sabe o porquê é feio. Repete o ensinado.
Laranja mecânica está preocupados com esses idiotas rudes, mal alunos que sentem prazer em ver a desgraça do outro. O que entristece alguns que o assistem é o não entender como diante dessa violência sem limites, seus autores parecem não se importar com o que fazem. Retém prazer e seguem a existência despreocupados. O que nos fere é essa incapacidade de mudar.
Apesar de tudo quando se dá a inversão, nós nos penalizamos com o protagonista. O que nos fascina é sabermos que a Sociedade é incapaz de moldar um indivíduo que se recusa a se robotizar. O Vilão está feliz, ele não tem problema a resolver e sua vida é repleta de emoções. O filme mais que uma crítica a violência é de repudio a uma gestão hipócrita de uma Sociedade, que joga sua sujeira para debaixo do tapete. Aqui o vilão é feliz, já que ninguém consegue o converter, a não ser ele próprio. Alex está feliz. Ninguém conseguiu mudar sua essência sem que ele desejasse. Não se prega aqui a descrença do potencial humano. Se prega a crença na mudança que nasce do próprio ser. O que perturba no filme, é mostrar que somos incapazes de sujeitar o outro em sua essência. Os ultra-religiosos e os fascistas têm repúdio disso. A obra prega o não maniqueísmo. Vimos que o filme com a mudança, onde faz do vilão a vítima, mudou o sentimento de quem assiste.
Podemos pensar na pena de morte? Por que não? Revisitar nossa censura e nossa incapacidade de pensar sobre a violência. Será que realmente a única coisa que nos impede de nos tornarmos um louco furioso é o receio da violência do outro? Estamos presos a correntes frágeis que escondem o que?
Filmes como esse me fazem às vezes achar que não é o amor que faz o mundo girar. Mas sei que o que move o mundo para frente é o livre arbítrio. E sem ele nada seria saboroso.
Um dos filmes mais transgressores já realizados. Clássico.
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