Percebe-se que “Procurando Elly” não permaneceu muito tempo em exibição e não atraiu um público expressivo, aliás, o que é um infortúnio para o cinema e conseqüentemente para as retinas dos espectadores sempre presos a velhas fórmulas, aos atores e atrizes consagrados, aos diretores e diretoras cultuados.
Tal observação não tem o intuito e nem mesmo a arrogância de menosprezar ou subestimar o grande público ou se quer extrair ou arrefecer o valor das grandes estrelas cinematográficas ou ainda do glamour que nutre a relação entre o grande público e o cinema como amplo espetáculo que tece sonhos e fantasias.
Faz-se salutar mencionar que o cinema há muito se tornou refém das grandes produções envolvendo efeitos especiais que beiram a perfeição, além das tradicionais pancadarias, os costumeiros tiroteios, as habituais explosões, os grandes heróis, finais felizes, as repetitivas comédias românticas, os dramas rasos e também ao terrível rótulo de filmes cabeça.
Antes que se fale mais afundo sobre “Procurando Elly” também se faz primordial ressaltar que alguns filmes transfiguraram as tão “batidas” fórmulas de cinema como o trabalho primoroso, genial e sempre inovador de Quentin Tarantino em “Bastardos Inglórios”, o surpreendente e de gênero inclassificável “Amor Sem Escalas”e o estupendo drama “Hanami-Cerejeiras em Flor” que conjuntamente com o filme já citado compõem um grupo de obras que transgrediram os clichês cinematográficos e os rótulos e conceitos intelectuais que marcaram outras obras que demonstraram algum valor como “Avatar” e o “Anticristo”, o primeiro tem imenso e indiscutível valor técnico e estético, entretanto, desliza no roteiro e se utiliza em demasia de chavões cinematográficos, já o segundo se aprofunda num subjetivismo e num complicado conceito psicológico envolvendo culpa, dor, luto diretamente voltado para a punição genital e se complica ainda mais ao abordar a questão natureza e cultura, contudo, é um filme denso e instigante que talvez tenha pecado no conceito exacerbado de filme cabeça.
O filme iraniano “Procurando Elly” por sua vez não parece sofrer do pseudo-intelectualismo e muito menos conta com recursos técnicos primorosos e inovadores ou conta com supostas grandes estrelas. Na verdade se utiliza de um elenco afinado e de uma direção competente e de um roteiro que foge ao convencional porque não se fundamenta na questão cultural em si, pelo contrário a trama conforme vai se acentuando também vai desvelando o intenso caráter de psicologia social envolvendo o comportamento em grupo, mas de maneira sutil e simples que não exige do espectador um conhecimento profundo de psicologia social, afinal o argumento do filme é um pequeno mapeamento da sociedade e das relações em situações conflituosas.
Basicamente a obra se divide em dois momentos, o primeiro que ocorre com a chegada do grupo numa casa de veraneio em que o grupo se comporta de maneira alegre e descontraída e num segundo momento após o desaparecimento de Elly o grupo se envereda por um caminho de desespero e angústia.
A figura de Elly, ou melhor, sua presença e ausência determinam o andamento da história principalmente sua ligação com a personagem Sepideh.
Então após o desaparecimento de Elly a reação do grupo se modifica gradualmente e tudo vai piorando na medida em que pequenas mentiras vão comprometendo a relação do grupo. E no decorrer dos fatos a relação do grupo se desgasta mais especificamente com a personagem Sepideh.
Logo surgem às primeiras evidências do conservadorismo e dos preconceitos da cultura iraniana. Entretanto, o aparecimento inesperado do noivo de Elly conturba substancialmente a já tão delicada relação do grupo.
Mas conforme já foi dito o filme transcende a questão conservadora da cultura iraniana e se desenrola na questão do grupo que após o acontecimento trágico passa a trocar acusações, a fantasia passa a tomar conta da situação, isto é, o real torna-se impotente e o irreal prevalece despertando culpa, medo, ansiedade e raiva.
O ponto nevrálgico do filme em relação ao comportamento em grupo ocorre no momento em que Sepideh se sente na responsabilidade de preservar a moral de Elly, todavia, o agir e o pensar do indivíduo segue o propósito da mente coletiva, ou seja,
o indivíduo se dilui dentro do grupo e perde sua identidade subjetiva.
No caso de Elly mesmo o grupo perdendo o senso crítico e a noção de realidade ela se coloca contrariamente ao grupo que tenta a todo custo exercer a coerção sobre ela e será que Elly acabará cedendo ao intento do grupo?
O andamento do filme em sua maior parte é ágil e até os momentos mais morosos parecem ter a função de enervar a angustiar o espectador aproximando-o do sentimento dos personagens envolvidos.
Outro aspecto relevante é que a película quase se resume a casa de veraneio e o mar, porém, a trama é atraente e insinuante e algumas cenas e recursos são de um lirismo misturado a um teor dramático que impressionam, por exemplo, uma determinada cena em que os integrantes do grupo já exaustos de procurar Elly se encontram absortos frente ao mar possivelmente seja uma alegoria frente à impotência humana e outro detalhe é o som contínuo do mar esse barulho em alguns momentos acentua a sensação de solidão, culpa e loucura.
“Procurando Elly” é uma obra que foge ao eixo das grandes produções, no entanto é uma estrela de primeira grandeza que reluz diante aos olhos mais atentos que procuram numa produção fílmica mais essência e reflexão crítica.
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