A película “ Lope” foi concebida como uma cinebiografia de viés dramático aspirando retratar a vida do poeta, prosador e dramaturgo espanhol Lope Félix de Vega y Carpio.
A empreitada foi comandada pelo cineasta brasileiro Andrucha Waddington que tinha nas mãos a possibilidade de realizar um grande trabalho e conseqüentemente um belo filme porque a vida pessoal e artística de Lope é repleta de elementos instigantes e dúbios, onde esse personagem se encontrava inserido num tempo histórico profícuo em realizações artísticas e fatos sociais contundentes.
Definitivamente o diretor Andrucha Waddington erra na perspectiva de abordagem de vida do poeta Lope e igualmente dissipa a riqueza do aspecto temporal e espacial optando por um recorte evasivo que por vezes patina numa incoerência narrativa que praticamente destoa da vida conturbada na qual Lope esteve tão avidamente e intensamente atado.
A vida de Lope foi um emaranhado de ambigüidades, o poeta espanhol foi soldado na campanha Invencível Armada (1588) num período onde ocorria a denominada União Ibérica (1580-1640) em que Portugal se encontrava sob o julgo espanhol e esse fato esclarece o motivo pelo qual durante o filme os diálogos entre Lope e outros personagens remetem a idéia constante de retornar a Lisboa.
No aspecto da intimidade da vida de Lope reside toda a sua intensidade amorosa, ele se casou várias vezes e gozou de inúmeras relações com amantes.
O conflito que cercava Lope era um misto de lirismo e tragicidade que o levava da poesia a uma crise espiritual que resultou na sua ordenação de padre. O caminho trilhado por Lope era tão repleto de agonia que ele também se tornou um oficial da Inquisição, no entanto nem sua representatividade religiosa aliada ao seu pendor inquiridor o impediu de continuar a escandalizar a Madri com seus cálidos romances proibidos.
Artisticamente Lope estava situado num tempo alcunhado de Siglos de Oro (Séculos de Ouro) que compreendem o esplêndido Renascimento com sua métrica e racionalidade e ao mesmo tempo o surgimento da intensidade e dubiedade Barroca que contribuíram para o florescimento da poesia espanhola.
Lope foi contemporâneo de grandes nomes como Luis de Góngora, Francisco de Quevedo e Pedro Calderón de la Barca.
Na literatura Lope cultivou a prosa e a poesia tanto lírica quanto dramática e no teatro tão mencionado no filme o artista espanhol produziu uma densa e larga obra envolvendo temáticas e composições tradicionais e populares.
O teatro foi elemento de fundo na obra cinematográfica e retratado com reducionismo não refletindo a polêmica das mudanças propostas por Lope que visava imprimir uma vertente popular num gênero onde predominava a composição tradicional.
As produções artísticas de Lope abarcando o teatro, a prosa e a poesia correspondem a temas mitológicos, pastoris, religiosos e hagiológicos que difundiam claramente as desventuras, desejos, angústias e prazeres tanto da vida profana quanto religiosa do poeta.
O filme produzido por Andrucha Waddington não valoriza a tensa e perturbada trajetória de vida de Lope, não enfatiza a complexidade de suas produções artísticas e nem tão pouco evidencia a abundância do tempo em que o poeta estava envolto.
A narrativa do filme é frágil e descaracteriza a agonia das paixões, a força do temperamento e o ímpeto do pensamento de Lope que escandalizou a Madri entre os séculos XVI e XVII.
Waddington inexplicavelmente retalha, distorce e desperdiça as grandes potencialidades que cercam a biografia de Lope e o que era para se efetivar como um grande trabalho quase se transforma num sofrível dramalhão romântico demasiadamente “açucarado”.
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