A obra de Haneke A Fita Branca é um filme perturbador com tomadas de cenas delineadas em preto e branco em espaços e corredores terrivelmente claustrofóbicos.
Os atores quase não parecem estar em cena e reagem com uma naturalidade impressionante frente às câmeras e os diálogos são exíguos permeados de longas tomadas silenciosas em ambientes que se diluem em manhãs cinzentas e noites soturnas.
Outros elementos que compõem a película como o figurino e a fotografia apresentam um tom melancólico, o ritmo do filme é extremamente moroso reforçando a monotonia do lugar e das pessoas que o habitam e uma vida pautada no limiar da loucura e da complacência.
Pode-se perceber que o clima de coerção em que os personagens estão envolvidos é sempre pesaroso e as expressões e os gestos dos moradores quase sempre são pequenas lamúrias frente a situações que não podem ser verbalizadas.
O cenário é enigmático e os espaços abertos são cingidos por uma solidão raivosa e recalcada que parece escorrer sorrateiramente entre as profundas relações familiares, amorosas e de trabalho pautadas na subserviência. Já os locais familiares, isto é, as casas são atmosferas enraizadas na aspereza de conduta e num rigoroso mundo “adulto” mutilador das afetividades onde a infância é tragada por um conservadorismo e uma hipocrisia que caminha no limiar do ridículo e do absurdo.
Analisa-se que o filme e seus entrelaçamentos são fundamentados num vilarejo na Alemanha num período que precede a Primeira Guerra Mundial em que o cotidiano é invadido por uma série de crimes que passam a desencadear sentimentos e ações coléricas entre os moradores.
A agudeza do roteiro está no seu intrincado e denso conteúdo psicológico que perpassa pela infância sufocada nos porões e pelos sonhos esfiapados pelas relações angustiantes de uma comunidade rural moldada na figura patriarcal e viril corroborado pela Igreja e sua moral severa e pela questão da terra entre o grande proprietário e a submissão dos pequenos trabalhadores.
Os fatos que vão ocorrendo durante a película são assustadores e incômodos, talvez porque Haneke procura fuçar a mente e o comportamento humano num ambiente construído no rigor e na punição.
Conforme entrevista do diretor seu filme não deve se associado somente a questão cultural alemã e sua adesão ao nazismo, afinal tão alusão seria descabida, tendenciosa e infundada, pois, segundo Haneke numa entrevista a Anthony Lane, na revista “New Yorker”: “Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. E isso ajuda àqueles que não têm possibilidade alguma de se defender de seguir essa ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. E este não é um problema só do fascismo da direita. Também vale para o fascismo da esquerda e para o fascismo religioso. Você poderia fazer o mesmo filme – de uma forma totalmente diferente, é claro – sobre os islâmicos de hoje. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.”
Tudo é muito representativo na construção fílmica de Haneke, a figura sempre altiva, disciplinadora e controladora do pai, o papel assíduo da Igreja e suas proibições, a ênfase do predomínio masculino, o poder do Barão (dono das terras) e um médico arrogante com relações pessoais pragmáticas.
Nota-se que o filme se estrutura na aflição exasperada dos personagens e acima de tudo nas crianças tratada de maneira austera cerceando suas vontades como se ela fosse um ser quase irracional e incapaz de expressar seus anseios.
A Fita Branca colocada nos braços das crianças “subversivas” é como se fosse um sinal que oscila entre a marca de um castigo cruel e a busca por uma utópica vida imaculada e sublime.
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