TENSÃO, palavra de ordem de O Som ao Redor. Onipresente, ela reina da sequência de abertura até o último segundo. Até mesmo os momentos de humor e respiro são carregados, tanto pelas sequências anteriores, quanto pela expectativa criada em torno do que pode ocorrer nas seguintes.
Para além de um mosaico, Kleber Mendonça Filho utiliza de seus múltiplos personagens para construir uma atmosfera que se torna a própria protagonista do filme. Esses, seguidos por uma câmera que não os idealiza, ganham força em contraste uns com os outros. Flagrados pelos olhos do realizador em suas situações mais cotidianas, têm suas intimidades e medos desvelados. Assim, na medida em que o filme se desenvolve e a tensão aumenta, seus personagens parecem cada vez mais passivos diante da força do que parece estar por vir.
Ainda que tecnicamente impecável e cuidadosamente composto, com fotografia e arte expressivas, desenho de som arrebatador e montagem vertiginosa, O Som ao Redor não é apenas forma. Não que a forma aqui seja mero instrumento para a tradução cinematográfica de um conteúdo. Os dois aqui se complementam de forma tão forte que fica difícil dissecar e apontar onde ficam um e outro.
São evidentes as contradições sociais que emergem nesse novo país que se configura ao final da primeira década do século XXI. O que Kleber Mendonça Filho faz é expô-los por ângulos diversos de forma a problematiza-lo. Fica cristalino o que já era óbvio: por trás de toda a prosperidade e “progresso”, existem o passado e suas feridas implacáveis. A vitória possui um gosto mais amargo do que o desejado.
Emblemáticos são Francisco e a velha empregada de João. O primeiro ainda controla tudo e todos como um autêntico coronel do século passado, a segunda é tratada como se fosse da família do patrão e ao deixar seu cargo coloca a filha em seu lugar – familiarizando também os netos. No que João é melhor que seu primo Dinho? Dinho deixa bem claro aos seguranças da rua o poder que possui por conta de seu dinheiro. Já João, em sua figura de bom moço, fecha os olhos para os horrores da família e o ciclo social abissal que existe em seu próprio apartamento.
João e Dinho estão lado a lado em uma festa ao final do filme. Um preso em um emprego que não suporta e o outro concluindo a faculdade nas coxas. Estão ambos ali, bonitos e agradáveis, discutindo assuntos prosaicos. Em um primeiro olhar, no que os dois primos são diferentes?
O confronto com o passado (e o acerto de contas) se dá de diversas formas ao longo do filme: O guardador de carros arranha o carro da mulher que o destratara segundos antes; Bia apanha da irmã por um motivo que nos é sugerido, mas nunca revelado; João visita a terra do interior do avô, onde as esferas sociais estão claramente marcadas; Sofia visita a casa em que viveu quando criança e que será demolida para a construção de um prédio. Na sequência final, esse acerto de contas é sintetizado com vigor.
Sóbrio e sólido, O Som ao Redor é amarrado com que por um cirurgião. Até mesmo os momentos de fugacidade são coerentes com a proposta que seu realizador nos oferece. O que fica não é só um filme impecável esteticamente, mas uma obra que deixa seu espectador com olhos e ouvidos atentos para além de suas pouco mais de duas horas de projeção...
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