"One man can change the world with a bullet in the right place."
Quem disse que é no ambiente escolar que se criam as raízes para a continuação da manutenção do sistema em que gerimos a nossa vida e o nosso quotidiano, tinha toda a razão. E um filme como «If...», obra fundamental do Cinema britânico (e representativa de uma década fulgurante que trouxe várias mudanças à sociedade inglesa e à cultura em geral), sustenta e comprova essas mesmas palavras, justificando-as com a hierarquia académica de um colégio tipicamente britânico (e que corresponde verdadeiramente a todos os conceitos de rigidez e tradição que costumamos associar a este tipo de comunidades, graças ao imaginário inglês que nos proporcionam diversos livros, filmes e séries de época), que esconde na sua estrutura desequilibrada uma sede de poder e de excessiva autoridade, onde os alunos mais velhos aliam-se aos tutores e às altas individualidades que dirigem, com mão de ferro, este colégio reputadíssimo, para fazerem dos mais novos e dos caloiros os seus servos, obedientes às ordens desses falsos Mestres, e oprimidos por um modo de vida que apoia este tipo de situações, e que terá consequências para o futuro desses estudantes ingénuos - que mais tarde se irão revelar, na vida "normal", como os responsáveis pela continuação das rotinas sociológicas e hierárquicas da humanidade.
«If...» é assim, um modelo, à escala reduzida, das convulsões e sobressaltos de uma qualquer sociedade, de um qualquer país, de um qualquer continente, relatando, também, as rupturas mais ou menos perigosas com as convenções, também elas propensas ao perigo de quem as sofre na pele. Dividido em oito diferentes capítulos, Lindsay Anderson revela as tendências britânicas e seus constrangimentos, e coloca, em retratos mais ou menos alegóricos, todas as partes que perfazem a soma desta estranha, mas tradicional e conservadora comunidade. Através de um misto de autoridade e desobediência, punição e severidade, entre as cores vivas e o mistério do preto e branco, que se intercalam em várias cenas (e as escolhas de cinematografia podem ter sido afectadas pelo baixo orçamento, mas o realizador joga também de uma boa forma com essas imposições), caminhamos por uma reflexão psicológica que marca um tempo e uma certa maneira de se fazer Cinema. A provocação encontra-se tanto na rebeldia e revolucionarismo dos estudantes (encabeçados por Mick Travis, personagem interpretado por Malcolm McDowell - no papel que fez com que Kubrick encontrasse o protagonista ideal para «Laranja Mecânica» - e que entra aqui no primeiro capítulo de uma trilogia de fitas) como também nas tentativas mais ou menos forçadas da autoridade exercer o seu poder, e ainda, nas relações mais ou menos tensas que os alunos estabelecem uns com os outros, onde a arrogância, a prepotência e a infantilidade são conceitos-chave para se poder entender como, apesar da capa de seriedade, o colégio apresenta várias fragilidades que podem ser facilmente quebradas (tendo mesmo os recursos do próprio estabelecimento como "arma" da destruição, porque ao mesmo tempo que impedem a violência e a revolta dos estudantes, os seus preceitos já centenários ajudam a que os alunos possam ter os meios para contestar, com toda a criatividade).
O impacto da história foi grande e a aclamação também (venceu a Palma de Ouro em Cannes), tendo sido também objecto de uma sátira burlesca pelos Monty Python, num sketch que parodia o famoso e violentíssimo desfecho. Mas outra das coisas mais notáveis de «If...» é, para além da controvérsia, a intemporalidade (mais ou menos acidental) que ganhou o experimentalismo da sua narrativa: nunca estiveram mais atuais as questões de Poder, apesar de cada vez mais se reflectir sobre elas - e de reflexões mais complexas já terem surgido sobre as mesmas nos anos posteriores a esta. Mas o culto da Obediência e o desprezo (disfarçado e subtil) pela Liberdade presentes no filme ganham uma força maior no nosso tempo. Se a obra marca o princípio do fim da década mais tumultuosa e rebelde do século XX inglês e do seu Cinema, é pela concepção que utilizou para retratar os britânicos (com todos os adjectivos negativos possíveis e imaginários, impondo uma nova visão sobre o funcionamento das escolas que, ainda hoje, não conseguiu ser alterada) que se consegue distinguir na crítica das suas temáticas: permanecem o domínio dos grupos conformistas face à individualidade, os preconceitos que rapidamente podem ser rotulados a cada um e utilizados por todos os outros em via da mais pura e dura chacota, e a tradição, por ser tradição, mais vale deixar continuar a ser como ela tem sido desde sempre. Tudo continua o mesmo e, regressando à metáfora social, é assim que encontramos o nosso país, e todos os outros: iguais, vulgares, sem aspirações a coisa alguma nem pretensões de qualquer índole. Mas não será que este status quo poderá ser, um dia destes, alvo de um "atentado" irracional (que ajudou a criar, já que proporcionou as condicionantes para o mesmo), como acontece no filme, que pretende acabar com toda a banalidade e injustificada auto-sobrevalorização do sistema? Ou seja, não será provável que, mais tarde ou mais cedo, alguém queira acabar com a delicadeza das instituições da forma menos delicada possível? E por isso, mesmo que tenha uma ou outra ideia artisticamente mais datada, «If...» permanece uma fita de culto que pede urgentemente para ser compreendida e aplicada para a contemporaneidade.
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