Uma pergunta não sai da nossa cabeça, enquanto o verdadeiro festival de excentricidade e aberrações que, perplexos, contemplamos, em «The Rocky Horror Picture Show», decorre sem intenções de querer parar: O que é isto, afinal? E pode parecer uma questão simples de resolver, com resposta acessível e que possa ser unanimemente considerada como eficaz para a resolução do problema (algo como "trata-se de um musical que homenageia os filmes de terror e de série B que se fizeram entre as décadas de 30 e de 70, em Hollywood" - e isto é verdade, basta logo ouvir a música inicial e tentar captar todas as referências às produções clássicas da Paramount, RKO e companhia). Mas talvez essa definição seja muito, muito vaga, já que é uma tarefa consideravelmente difícil conseguir perceber, afinal, qual o significado de toda esta combinação das luzes, coreografias, músicas (orelhudas) e interpretações constrangedoras e agonizantes. Tentemos compreender o fenómeno no seu contexto histórico: quando estreou, o filme passou quase despercebido, não chamando a atenção do público ou da crítica dos anos 70. Mas de um momento para o outro, «The Rocky Horror Picture Show» tentou a sua sorte noutro tipo de exibições, para outro tipo de audiências, conquistando assim um culto gigantesco nessas sessões da meia noite, angariando milhões de fãs até aos nossos dias, em que as sessões animadas pelos espectadores se tornaram no pão nosso de cada dia de diversas cidades norte-americanas. E quase quarenta anos depois, o mito sobrepõe-se aos factos: o que tem este filme de especial, para continuar a ser tão adorado e acarinhado por gente de países e línguas tão diversas?
É que, e precisamos de ser sinceros, a originalidade de «The Rocky Horror Picture Show» passa, pura e simplesmente, pela forma como o género musical é alegremente distorcido para satisfazer as necessidades histéricas, pindéricas e saudavelmente retro que compõem as bizarras figuras que se deslocam neste grande espetáculo de (pouco) horror e (nenhum) glamour. O lado bestial do filme sobrepõe-se à fraca estrutura da narrativa, à fragilidade das situações dispersa vividas pelas personagens, à débil e distraída realização de Jim Sharman, e à falta de ritmo que se constrói entre os momentos musicais e as partes que não são cantadas nem dançadas. Mas lá está: é a sumptuosidade do conceito, conduzido de forma artisticamente grotesca e irreverente, que puxa os fãs para adorar este conjunto de mui exóticas pessoas, e o estranho e inexplicável mundo em que vivem, que justifica a adoração quase religiosa dos fãs. Porque, apesar de ser mediano como um filme, este festival de arte e espetáculo ganha por, apesar de nada ter em comum com os grandes clássicos do género musical, sabe cativar-nos pelas mesmas razões: pelas fabulosas e inesquecíveis canções e pelo visual muito, mas muito peculiar. E talvez por isso é que esta peça, que arriscou impor uma outra visão cultural, tenha resistido tão bem ao tempo: pelo culto e por ter características que justificam esse mesmo culto. Quem não consegue ficar fã do "Time Warp" depois de ver o filme, mesmo que a ele se possam apontar inúmeros defeitos?
Sendo o filme "WTF" por excelência, «The Rocky Horror Picture Show» é uma mistura de risos, incongruências e excentricidades que, admiravelmente, se aproxima de nós, mesmo que não fiquemos totalmente adeptos da sua estrutura, e apesar de ser, a cada momento, mais bizarro e invulgar. Pode ser mediano, mas consegue sobressair da sua mediania, por ser tão cativante e fenomenalmente "recordável" - e daí, é um "cult movie", como tantos outros que, independentemente da sua qualidade, parecem puxar por nós de uma maneira peculiar, que transcende até a noção que temos do que é o Cinema e do seu poder junto do espectador. E não se queixem se ficarem com as músicas na cabeça e as hilariantes coreografias das mesmas. Faz parte da experiência, e talvez sem saberem, estão a tornar-se membros desse culto mundial que rodeia este clássico do burlesco cinematográfico. De facto, não estamos perante um filme banal. É uma experiência estranha, a que nos proporciona, levando o público para caminhos cada vez mais psicadelicamente escandalosos e divertidos. É uma extravagância pop rock que emana os 70's de todos os poros, podendo não estar bem conseguido no lado cinematográfico e de escrita - mas não é por isso que deixa de ser divertidíssimo, no seu jeito de homenagem a referências cinematográficas e populares retro, adoçicadas com um novo estilo. Um filme irresistível, mas difícil de qualificar, e mais ainda de descrever - e que a nota não seja a parte mais influenciadora desta crítica, porque apesar dela, «The Rocky Horror Picture Show» é daqueles casos que não podem ser vistos de uma só maneira, transcendendo os limites da qualificação numérica. Consegue ser um filme sobre o qual dá gosto falar e abrir debate (o que não deixa de ser... estranho), e vale mesmo a pena por ser tão contagiante e por ter deixado uma marca indelével na cultura pop e no Cinema americano. E também porque só vendo é que se consegue acreditar na excentricidade que esta fita é - e depois do visionamento, não há volta a dar: ficámos ligados a este mundo, e vamos venerá-lo sem sequer nos darmos conta disso.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário