Tem sido alvo de grande admiração pelo público e por alguns críticos, e está no centro de uma disparatada polémica sobre o catolicismo: «Filomena» aborda os problemas da Igreja e, consequentemente, as manias e os conservadorismos de uma instituição demasiado fechada em si própria, mas a história co-escrita por Steve Coogan (que interpreta o jornalista que investiga o drama de Philomena Lee para fazer "um artigo de interesse humano") não pretende ofender a religião, nas próprias palavras do famoso comediante. Fazem-se brilhantes analogias entre o ateísmo da personagem de Coogan e a Philomena de Judi Dench (uma belíssima composição), mas não são crenças individuais ou ideias filosóficas que estão no centro da questão desta nova realização de Stephen Frears. Centremo-nos no essencial: «Filomena» é a história real de uma jovem Mãe que vê o seu filho ser adotado por um casal americano a mando da instituição religiosa onde se encontra, e cinquenta anos depois, a desgostosa mulher irá procurar o paradeiro do filho... numa viagem que poderá não ter os melhores nem mais felizes resultados. Filme totalmente britânico, delicioso na sua construção e deslumbrante pela simplicidade que carrega, nele seguimos o percurso de duas pessoas com sentidos de humor e convicções muito díspares (o que impede que hajam pontos de contacto substanciais entre ambos), que estão ligadas pelo mesmo objetivo: encontrar o filho perdido de Philomena Lee. Sarcasmo não falta, tal como uma série de piadas muito britânicas e que marcam os apontamentos humorísticos dos filmes de Frears (que se encontram mesmo no maior dos dramas, nos momentos mais subtis das narrativas).
«Filomena» fala-nos de um segredo com cinquenta anos e de uma peculiar história real, que tanto nos choca (pelas circunstâncias em que se dá todo o drama, e as pequenas surpresas que vão aparecendo ao longo da investigação) com o lado autoritário e ultrapassado de um sistema religioso, como nos emociona pela dor de Philomena Lee, pela candura da sua alma, e por nos custar acreditar que são "factos reais" (passe-se a redundância) aquelas coisas que vemos desenrolarem-se no ecrã. Sim, «Filomena» é um drama sentimentalão, sobre as condições difíceis de uma era (que, infelizmente, ainda não acabou - casos como o que é relatado no filme são muito comuns na atualidade) onde ambos os atores se encaixam perfeitamente nos seus papéis, sabendo dar corpo à reconstituição da revelação dos perturbantes acontecimentos do passado da protagonista (e fazem uma química verdadeiramente interessante). É uma obra que aborda as questões que nenhuma crença pode responder de maneira definitiva, mas o melhor do filme é mesmo a sua abrangência e por tocar com delicadeza em temas delicados, mandando as alfinetadas a quem tem de as receber, obviamente, mas sem recorrer a falsos argumentos, fazendo-nos pensar nas estruturas que nos rodeiam e na força da instituição sobre o indivíduo. Porque se se considerar uma crítica à Igreja falar-se de uma tragédia como esta, precisaríamos de admitir que é destas coisas que se faz, na teoria, essa religião - o que não é, de todo, verdade. É necessário serem denunciados os males destas grandes estruturas, e «Filomena» faz isso com grande rigor e qualidade.
Martin Sixsmith acha ridículas todas as atitudes caseirinhas e vulgares de Philomena Lee, mas é ela que representa o mais singular da alma humana, com as suas atitudes simplistas que ensinam o espectador a lembrar-se que são as pequenas coisas que são as mais importantes, apesar do maior ou menor status de cada um de nós, assim como o perdão - sim, há uma moral e uma ética muito ligada ao catolicismo, por detrás da mensagem desta história. Uma moral ligada aos valores da religião, mas que felizmente, transcende (ou deveria transcender) qualquer credo, porque são valores que fazem a Humanidade. E o próprio jornalista perderá a objetividade e o profissionalismo para se ligar à emocionalidade de Philomena. Se Judi Dench está maravilhosa (é também uma das nomeadas da Academia), Steve Coogan arrasa num papel memorável e surpreendente, para aquilo que conhecemos do artista. «Filomena» fala-nos das injustiças da vida e do(s) sistema(s) que nos comandam. É um filme bonitinho, na realização e na narrativa, que se encaixa muito bem nos standards dos Oscares e das preferências da maioria dos espectadores de Cinema. Mas além de ser uma fita delicada, consegue ser um grande filme, fugindo àquilo que estamos à espera de ver. «Filomena» sai vencedora por contar uma realidade preocupante e por saber tocar a partir dessa realidade, sem dar azo a "mariquices" convencionais. É talvez, o nomeado mais bonito e emocionante desta temporada de prémios.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário