Foi a partir de um dos maiores e mais reputados combates jurídicos da História que Stanley Kramer decidiu fazer este grande épico (que possui uma "overture" e tudo - e que é apenas uma amostra da potente banda sonora) que dá pelo nome de «O Julgamento de Nuremberga». Um ano depois da polémica e do êxito trazido pelo extraordinário «Inherit the Wind», o cineasta quis voltar aos temas quentes e que são alvo de grandes e permanentes discussões pela opinião pública. O resultado: uma grande película, que retrata não só grandiosamente bem todo o julgamento dos juízes nazis em Nuremberga, como também capta na perfeição um ambiente social, político e humano que caracterizou o Mundo nos tempos que se seguiram ao final da II Guerra Mundial. Foi este julgamento de 1948 que tornou célebre a expressão "crimes contra a Humanidade", que continuam a chocar gerações e a trazer tantas novas perguntas para serem respondidas. Com a Alemanha destruída e ocupada pelos Aliados, resta agora saber qual será o futuro dessa nação e, consequentemente, do resto do Mundo. E todos têm os olhos postos nos avanços e recuos deste julgamento.
Spencer Tracy (que aqui foi nomeado para um Oscar) é um juiz deste caso que não foi muito concorrido, devido às consequências que pode implicar ao nível de reputações profissionais. É um juiz que terá de julgar outros juízes. E a acompanhá-lo vemos a sempre impecável Marlene Dietrich, um expressivo Richard Widmark (o brilhante advogado de acusação que já triunfara antes ao protagonizar «Pickup on South Street», de Samuel Fuller) um fenomenal Maximillian Schell (vencedor do Oscar, como o advogado de defesa dos alemães, que tem de lutar contra as suas forças para contradizer aquilo em que acredita para cumprir o seu trabalho), e outras personagens secundárias (mas interessantes de acompanhar numa perspetiva mais atual) interpretadas por nomes como William Shatner e Montgomery Clift (também nomeado). E voltamos a ter, tal como «Inherit the Wind», algumas particularidades que Stanley Kramer exigiu para esta produção: encontramos alguns atores improváveis a encarnarem personagens desconcertantes (Judy Garland - sim, a Dorothy fofinha de «O Feiticeiro de Oz» - é uma das maiores surpresas do elenco deste filme, que lhe valeu outra nomeação da Academia, tal como Burt Lancaster no papel de um dos oficiais nazis, uma sombria performance de fenomenal qualidade) e uma força incomparável e inesquecível assente nos diálogos das personagens e nos grandes discursos por elas proferidos. Este não foi um julgamento normal, não se tratou de um evento como outro qualquer - e Kramer faz tudo para que o espectador se aperceba de tudo o que envolveu o caso de Nuremberga, aproximando-o o mais possível do ambiente fervoroso e chocante que se viveu e se sentiu naquela época. E Stanley Kramer elaborou (ou foi obrigado a elaborar) um truque interessante, que ao mesmo tempo se afasta e se aproxima desse realismo pretendido: nos minutos iniciais do julgamento vemos todos a falarem as respetivas línguas (inglês e alemão), e ouvimos os intérpretes de um lado e de outro a traduzirem a situação. Para poupar tempo (e também dinheiro!), Kramer faz uma transição desta situação para aquilo que Hollywood tem de mais típico (mas que se funcionar, é bem empregue - e aqui é um desses casos), que é pôr todos os atores a falarem inglês. E de um momento para outro, isto acontece e é quase como se Kramer nos dissesse "Eu queria fazer daquela maneira, mas não dava. Tira muito do espírito do filme". E ele tinha razão, porque assim, «O Julgamento de Nuremberga» funciona admiravelmente bem.
Em «O Julgamento de Nuremberga», a câmara é discreta, mas quase fatal. No acontecimento que mudou o planeta, vemos os bastidores dos juízes e as reações de populares, de envolvidos e dos condenados. Todos têm alguma coisa para dizer para alimentar intrigas ou para desenvolver este processo longo e complexo. Os argumentos e os contra-argumentos expostos fazem o espectador pensar e repensar um assunto que, à partida, poderia considerar óbvio (tal como em «Inherit the Wind»). Não só o nazismo é posto em causa, como o domínio americano, causa de pânico para alguns alemães. E poderão as poderosas argumentações dos dois lados da medalha fazer-nos duvidar da culpabilidade ou da inocência dos juízes nazis? Conseguirão abalar a radicalidade de oposições e as nossas ideias pré-formatadas pelos horrores que associamos ao nazismo? Não sabemos, mas o que é sabido é que, por mais "pequeno" (em termos de espaço cénico cinematográfico - grande parte do filme passa-se no tribunal) que a fita seja, não é isso que quebra a espantosa potência da obra, que é crua, fria, aterrorizante até, e com algo de trágica. Ao explorar o horror, ficamos ainda mais horrorizados, e espantados por ser este um filme com mais de cinquenta anos. Sim, porque não foi só mais recentemente que o Homem do Cinema se ligou mais à sociedade, de todo. «O Julgamento de Nuremberga» é um grande filme, onde a verdadeira Justiça não é a mais popular. A força humana é a maior das Justiças, mas o que resta de humano em homens que cometeram Crimes Contra a Humanidade?
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário