Dois anos depois do sucesso comercial que foi «A Janela Indiscreta», Alfred Hitchcock volta a pegar em James Stewart para trabalhar de novo uma história antiga, de um dos primeiros filmes que tornaram o cineasta célebre em todo o mundo. Na famosa entrevista que Hitchcock concedeu a François Truffaut, ouvimos o Mestre dizer que, enquanto a versão original de «O Homem Que Sabia Demais», datada de 1934, foi feita por um amador talentoso, o seu remake (e o único objeto do próprio realizador que ele quis refazer cinematograficamente) já tem a assinatura de um profissional da área. E não é para menos: algumas cenas são semelhantes entre as duas obras (a grandiosa cena de maior clímax, passada no Royal Albert Hall, ficou para a História), mas enquanto a versão original, que conta com Peter Lorre num dos seus primeiros papéis ingleses, mostra um autor em crescimento, e com curiosidade de experimentar fórmulas e mecanismos diferentes, na versão de 1956 encontramos um Hitchcock no auge da fama e da sua genialidade, e que tem ao seu dispor todos os melhores meios técnicos que Hollywood poderia fazer - há mais rigor, há mais precisão, timing e consciência narrativa, utilizam-se elementos cénicos novos, já Bernard Herrmann é colaborador regular das fitas hitchcockianas, e tudo é feito para arrebatar o espectador nos momentos mais propícios ao efeito. Em 34, ele era uma curiosidade do Cinema; vinte e dois anos depois, já se tinha tornado uma espécie de "magnata" da indústria, com o mundo a seus pés... quando não fugia da norma (sim, não falemos do caso de «Vertigo»!).
«The Man Who Knew Too Much» é um dos filmes mais "certinhos" de Hitchcock entre os seus grandes êxitos, no que toca ao manuseamento das personagens e à manipulação a que se confronta o espectador, não se evitando o "happy ending" inconsequente para a típica família americana perfeitinha, que espalham o patriotismo americano por terras estrangeiras... tudo num grandioso technicolor. Mas mesmo assim, não deixa de ser uma peça única e um grande filme, por ter como mentor essa tão sublime individualidade (porque não existem apenas as meras formalidades que faziam o pão nosso de cada dia de cada época... há a marca de autor, o que nunca deixa de ser essencial e relevante). Com Hitchcock, nada consegue ser totalmente "normal" - e eis aqui a sua chave de ouro, porque para estragar a aparente perfeição deste núcleo familiar (em que Stewart faz parelha com a formidável Doris Day - e não esquecer a música «Que Sera, Sera»), surge um plano de chantagem que estraga as férias em Marrocos do casal e do seu pequeno (e algo irritante) pequenito. O realizador reinventa a sua história com novidades, sendo a primordial uma gestão perfeita do drama, do suspense, da tensão e do palpitar do coração do espectador. Tem um punhado de momentos brilhantes e que se tornaram antológicos, aliando o mais puro e eficaz entretenimento a uma mise-en-scène precisa, fulgurante e entusiasmante.
Tem alguns dos estereótipos mais predominantes das grandes produções da era clássica de Hollywood, mas «The Man Who Knew Too Much» não deixa de ser, mesmo assim, um mimo cinéfilo. Além do mais, é um exemplo de criador de estereótipos futuros, com inúmeras cópias de movimentos e ideias de Hitchcock a serem planeadas por vários realizadores posteriores (a maioria sem granjear grande sucesso na sua imitação/ "homenagem"). Pode não ser um dos mais notáveis trabalhos do cineasta, mas é sem dúvida um dos seus filmes mais arrepiantemente divertidos, e um exemplo formidável de como funciona muito bem a junção de mestria cinematográfica com culturas e preferências populares. É uma amostra do quanto Alfred Hitchcock gostava de brincar com a fragilidade emocional do espectador e de dar a volta ao que temos como adquirido e garantido, no momento em que não estamos mesmo nada à espera que isso aconteça. Contendo um dos temas preferidos do autor (o homem envolvido numa encrenca devido a um pequeno acidente de percurso - veja-se ou reveja-se «O Falso Culpado» e «Intriga Internacional, por exemplo), «O Homem Que Sabia Demais» é um dos títulos mais agradáveis e surpreendentes de Hitchcock, que apesar de se poder ter desvalorizado com o tempo (isto em algumas interpretações mais forçadas ou descontextualizadas, tal como certos momentos mais tecnologicamente datados), acaba por sair valorizado porque ele soube aproveitar o melhor que os pequenos momentos têm para oferecer, para os tornar Grandes, e naqueles que nunca conseguirão sair da nossa memória... e da memória do Cinema.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário