O que se pode esperar de um filme de monstros? Exatamente isto: mais do mesmo. Godzilla é o reboot que ignora o remake americano anterior, mas que não despreza o imaginário original japonês – mas calma, porque isso não augura nada de bom.
Sinceramente, é preciso estar a explicar a história de um filme que envolva esse monstro denominado de Godzilla (isto é, se à definição de “história” possa corresponder um festival anarquicamente irritante de clichés que abundam em todo e qualquer filme-catástrofe que tenha sido feito até hoje)? Talvez não, mas tem que ser, e não custa nada, porque até é tudo muito narrativamente simples.
Há uma ameaça que surge do nada, há uma série de personagens humanas que têm tanto interesse para o espectador como a quantidade de cenas ridículas a que o monstro original foi submetido nas diversas sequelas feitas no Japão (procurem no YouTube e descobrirão a “fabulosa” dança abominável do bicho, entre outras pérolas da mediocridade), e também algumas cenas que envolvam mortes, bicharada com origens que, muito honestamente, a minha cabeça não conseguiu assimilar, e muitos figurantes a falecerem de maneira inglória. Mas não se preocupem: no fim, acaba tudo em bem, e vivem todos felizes para sempre… apesar da destruição toda. Que bonito – e tão fortemente apalhaçado.
E é isto um filme que é previsível desde o primeiro momento, onde podemos adivinhar, praticamente, todos os planos que vão surgindo no ecrã e todas as falas estereotipadas, secas e brutalmente idiotas de todos os intervenientes. Esta pandilha de repetições e auto-reciclagens de fórmulas usadas até à exaustão poderá, no entanto, ter um brinde, para aqueles que quiserem gastar mais uns euritos para visionarem o filme no pouco espantoso e super-hiper-mega-ultra inovador IMAX 3D: um perturbante tiro à vista e uma valente dor de cabeça, proveniente de todo o excessivo barulho que foi inserido nas sequências de maior ação (que de “ação” propriamente dita, pouco ou nada têm).
Parece que agora está na moda dizer bem dos filmes originais de Gojira, ou pelo menos, da fita que começou tudo há precisamente sessenta anos: realizado por Ishirô Honda, O Monstro do Oceano Pacífico foi um marco para a época – e para a posteridade, deixou uma espécie de metáfora sobre a ameaça nuclear, patente na invasão do implacável ser, oriundo dessas mesmas armas e experiências, que tanto puseram o mundo, tal qual o conhecemos, na corda bamba durante a Guerra Fria. No entanto, vejamos: a primeira incursão de Gojira no grande ecrã não passa a ser boa por causa disso – mas com o passar dos anos, parece que tudo o que é antigo tem de ser bom, mesmo que, na altura da sua estreia, já tivesse a mesma “qualidade” que qualquer espectador sensato lhe possa encontrar hoje.
Enfim, o bicho ganhou uma legião de fãs, e o número de sequelas, ripoffs, paródias, referências e tantas outras coisas mais tornaram este personagem absurdo numa das figuras mais populares da cultura japonesa. E agora chega o reboot americano, assumidamente dark, mas que apesar disso, é tão torturantemente seco e saturante como todos os outros capítulos de Godzilla (sem ter a piada do ridículo das aventuras japonesas). Porém, consegue alcançar esse feito tão “inalcançável” de ser melhor do que a lástima realizada por Roland Emmerich há mais de quinze anos. Pois, não era difícil – é que, apesar de todos os defeitos que se possam colocar nesta nova abordagem a um universo menos abrangente e original do que muitos querem acreditar – o resultado final acaba por ser, pelo menos, visualmente espantoso e musicalmente revigorante (os únicos parabéns que posso dar é mesmo a Alexandre Desplat, que compôs uma fantástica banda sonora). Ao menos isso.
O novo filme faz referências ao Japão e às histórias originais, e tem um bom elenco, que tenta disfarçar o lado sensaborão e nada original que rodeia todos os diálogos que têm de ser proferidos. Mas porque é que estes filmes de monstros têm de ter sempre a mesma estrutura e carregar os mesmos estereótipos? É que Godzilla é uma salganhada de toda a catástrofe cinematográfica já feita até hoje, não apostando em trazer nada, mas mesmo N-A-D-A, de novo ao mundo. Apenas pretende dar uma melhor reputação ao monstro nas Américas, e até consegue fazê-lo… dentro do nível de mediocridade em que se encontra. É mais um exemplo de um setor de Hollywood que pensa que o medo se cria com muito barulho e os mais sofisticados efeitos de computador.
Pois, mas há aquela questão: não é isso que se deve esperar de um filme com estas características (para o qual todos os envolvidos trabalharam afincadamente – e com amor ao bicho, vá, é preciso confessar – sabendo que seria mesmo este o produto final)? Sim. Mas custa inserir alguma coisa nova? Custa não meter, por uma vez, o habitual subplot de uma família desfeita que se volta a reencontrar e de um cientista que profetiza o futuro vá-se lá saber porquê? E para que servem estas personagens, se de tão plásticas que são, não nos criam qualquer empatia ou contacto? Estão a precisar de workshops de storytelling nessa indústria?
Godzilla reflete todos os graves sintomas que passam pelo cinema de ação moderno, que mais se entrega aos efeitos especiais do que às potencialidades que a câmara e os enormes recursos poderiam usufruir. Ainda assim, esses efeitos ainda preenchem de forma jeitosa o ecrã e mostram como tanto dinheirinho foi gasto para fazer este filme. E lá no fundo, até poderia ser bem pior. Mesmo assim, não se fiem nesta adaptação dos clássicos do monstro, que nunca tiveram grande qualidade. E nisso esta nova versão é fiel: não tem substância nenhuma, nem ponta por onde se lhe pegue, no meio de um manancial de truques narrativos inconvenientes.
Precisamos, por fim, de constatar os factos: tirem toda a atenção que o filme está a angariar, e a multidão de fãs loucos que está a encher a página do filme no IMDb com notas extremamente altas, e olhem para a programação das tardes de fim de semana das generalistas. Podem encontrar diversas reposições de fitas como O Dia Depois de Amanhã, O Dia em que a Terra Parou e outros quejandos do género, que por sua vez, são também remakes de reboots de ideias de uma história surripiada de um desconhecido qualquer. Este Godzilla vai pertencer ao lote desses filmes de sessões televisivas em menos de dois anos, e será o melhor destino que uma “obra” destas conseguirá ter no seu curto espaço de vida mediática. Mas nem esperem por isso, porque se as vítimas fogem a sete pés da ameaça mortal dos monstros, os espectadores, por seu lado, têm de correr o mais depressa possível para conseguirem escapar deste filme. São vidas que se salvam.
Assisti ontem a essa queijada, creio que aos produtores pouco importa todas as questões de inovar e etc, pois o Gojira já carrega muito o peso de um fórmula para o dinheiro, seja pela base de fãs, ou da sua áurea pop a pegar milhões de desavisados: "filme de monstros gigantes".
O que mais me incomodou foi terem gastado e feito tão bem os efeitos visuais para minguarem os embates aos quais o gênero se destina. Incompetência querer achar que apostar numa subtrama de sobrevivência, sendo que essa proposta é feita nas coxas, pois tal qual o mundo é permanece o mesmo com ou sem os monstros, há até uma falta de visão da trama nesse sentido, pois qual seria o nosso choque coletivo ao descobrir que existem criaturas gigantes mutantes...
Bela resenha.
Já eu até gostei do filme, que nada mais esperava diferente daquilo que tanti já vi. só de ver o monstengo pra mim já valeu mais nuita coisa por aí.
Concordo que é daqueles filmes que viram sessões televisivas. Mas não há demérito nisso. Creio eu que a ideia do filme não é se prastar ao ineditismo ou fugir do padrão blockbuster. Quebra o galho e diverte demais, muito além, aliás, dos filmes citados em comparação. Pode parecer até ingenuidade esperar algo conceitual de um filme que, de cara, mostra-se mais criado para passar aquela ideia megalomaníaca, bem "Powerrangers" mesmo.