Pouco tempo depois do sucesso planetário do primeiro capítulo da trilogia «O Padrinho» (que pela altura da estreia de «The Conversation», o segundo filme estava a ser preparado), que obteve o mérito mundial e o reconhecimento que ainda hoje se fazem sentir, por um dos filmes que fará sempre parte, sem dúvida, da "lista" dos melhores filmes de todos os tempos, o realizador Francis Ford Coppola decide apostar numa história original, de sua autoria (aliás, era isso que ele queria para a sua carreira de realizador, ao princípio: não fazer adaptações mas utilizar a sua própria criatividade narrativa nos filmes que, posteriormente, faria. Assim, após «O Padrinho», Coppola opta por "regressar" às origens do seu pensamento cinéfilo e foi buscar um argumento que tinha deixado na gaveta por alguns anos para poder, agora, torná-lo num filme apetitoso no grande ecrã. E se há um adjetivo que eu posso utilizar para qualificar «The Conversation» é mesmo esse, apetitoso. Trata-se de um thriller engenhoso, um filme que nos faz entrar num mundo aparentemente simples, mas com algo de obscuro, é certo, que é o da profissão de Harry Caul (o protagonista da trama, interpretado pelo Senhor Gene Hackman numa grande performance), e que, à partida, parece ser mais propício a uma análise documental e verídica do que, propriamente, do que diz respeito à ficção em si. Só que «The Conversation», graças ao seu realizador bem inspirado e muito bem influenciado pelos filmes que consumiu até então, conseguiu construir um sólido filme com aquela particularidade tão especial (e que tão poucos filmes possuem na sua "essência") que é o facto de crescer connosco, à medida que o vamos visionando e descobrindo. Este é daquelas fitas que nos fazem constantemente questionar sobre o que estamos a ver, mas que no final, quando terminamos o visionamento, percebemos que qualquer ideia pré-concebida que tenhamos feito sobre a narrativa não tinha pés nem cabeça. É um filme que me deixou surpreendido a cada instante, tanto pela paranóia de Harry Caul e a obsessão que ele tem pelas escutas (o seu trabalho), e por uma "encomenda" em especial, como todo o jogo de bastidores que o leva a pensar numa coisa e a agir de uma maneira, mas que, no final, acaba por ser outra completamente diferente. Tanto Caul como o espectador é constantemente enganado pelos truques e pelas armadilhas que alguns personagens proporcionam ao desenrolar da história. E eu queria evitar metáforas que não soassem a pieguice profunda, mas não posso deixar de dizer que esta situação é mesmo como a vida, e a forma como o quotidiano nos faz duvidar, muitas vezes, de tudo o que nos rodeia (ah, afinal nem ficou tão pirosa assim, esta tentativa de metaforizar!).
Caul é uma figura solitária, paranóica (a banda sonora cria um ambiente obscuro e noturno que salienta isto) e pouco dada aos assuntos sociais e ao convívio duradouro e não-hostil com outros seres humanos. O filme mostra-nos todo o seu trabalho nas escutas (a forma como monta aqueles minúsculos - e engenhosos - aparelhos, que mesmo para os nossos dias até ainda têm o seu quê de impressionante, como também a audição que faz das escutas e, no caso particular que o filme aborda, as conclusões que retira sobre o que os seus microfones conseguiram captar da conversa entre as duas "vítimas") e todo o seu estranho e invulgar quotidiano na cidade. É um indivíduo que está sempre a fazer perguntas e que, ao querer descobrir as razões que o levam a fazer um determinado trabalho, poderá ter de sofrer algumas graves consequências. Caul apercebe-se dos perigos que o seu "inocente" trabalho podem causar a pessoas que, ao que parece, são inocentes, e aí tenta, contra tudo e contra o que as pessoas que o conhecem lhe dizem, tentar corrigir o que fez. É um apaixonado pela música jazz (toca saxofone), é católico devoto e mete-se, pois, num mundo que lhe é totalmente desconhecido, tentando fazer "frente" também aos que o querem deitar abaixo e que pretendem aproveitar-se das suas fraquezas físicas e psicológicas, rodeando-se, por vezes, de falsos amigos aos quais pouco liga. Mais do que um thriller, «The Conversation» é, por isto, um "character study", uma análise detalhada a uma personagem complexa, perspicaz e "outsider" da sociedade em que se insere, e que não deixou de me captar a atenção e de, em parte, me sentir identificado com as suas atitudes e a sua forma de pensar. Por fim, é importante referir que «The Conversation» venceu o mais importante (e prestigiante) galardão do Festival de Cannes do ano de 1974. O pequeno filme de Coppola (em termos de orçamento) conquistou o júri e o público do certame, mas passou um pouco despercebido dos cinemas do Mundo. Mas é um filme a ser descoberto. E (re) descobrir a diversidade e a versatilidade de um realizador que, por mais que os Padrinhos e o «Apocalypse Now» sejam filmes extraordinários, também realizou pérolas como esta. Entrou num mundo cinematográfico novo para ele, na altura, e saiu totalmente vencedor. «The Conversation» é a "hidden track" da filmografia de Coppola, mas o seu consumo é a prova como tem muito para dar e muito para mostrar a nós, espectadores, e a todo o povo cinéfilo em geral. Um grande filme, algo esquecido e escondido, mas que merece ser visitado.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário