"There's a lot to be said for making people laugh. Did you know that's all some people have? It isn't much, but it's better than nothing in this cockeyed caravan."
É mais uma das grandes comédias americanas dos anos 40, e um dos filmes mais ousados e provocadores do seu tempo: são poucos os que, como «Sullivan's Travels», de Preston Sturges, se arriscam a criticar e satirizar Hollywood desta maneira tão peculiar (veja-se logo uma das primeiras cenas, em que o protagonista tenta convencer os executivos de um estúdio a deixarem-no fazer um filme dramático, onde todos discutem tudo o que uma fita deve ter para ser um sucesso - e repete-se várias vezes "and a little bit of sex", o que mostra que essa "tendência" da indústria, infelizmente, já vem de há mais de setenta anos...), e conseguirem manter a sua atualidade. Mas «Sullivan's Travels» (um título que é uma paródica referência ao livro de Jonathan Swift, que nos fala de uma outra viagem, mais fantasiosa mas não menos socialmente relevante) não é só uma sátira ao "establishment" que impera no Cinema americano, como também provoca o anti-"establishment" e as pretensões e exigências das pessoas que querem mudar a Arte, inovando-a e explorando as potencialidades de um meio que nem sempre é bem aproveitado. Comédia de divertimento puro e inteligente, com timings perfeitos nos momentos de humor físico e "slapstick" que ainda fazem rir, é uma película divertidíssima que não se fica só por aqui. Preston Sturges quer mostrar como o divertimento e a seriedade são complementarmente importantes para aquilo que gostamos ou não gostamos de ver nos filmes. E algumas cenas impressionam pelas diversas técnicas que Sturges utiliza para não só criar uma mui agradável comédia, como também para filmar a miséria que se vive na América, onde é o riso uma ferramenta ainda mais essencial para a vida de cada pessoa.
Sullivan quer perceber como é a vida real, para dar credibilidade ao seu próximo projeto, uma ficção cinematográfica que, contrariamente aos filmes que lhe deram êxito, não se trata de uma comédia, já que quer filmar o drama da realidade do sofrimento humano. Ele está farto de fazer fitas que fazem as pessoas rir e que não as fazem pensar nas coisas sérias. Mas o que ele e a sua futura "partner" percebem é que eles não conseguem, afinal, livrar-se das condições não-miseráveis e muito cómodas das suas vidas, e no meio das gargalhadas que esta dupla nos proporciona (Joel McCrea e Veronika Lake têm uma química formidável), explora-se o drama das difíceis condições de vida fornecidas por uma época atribulada, onde a ganância está presente entre os mais ricos e entre os mais pobres (algo bem patente numa formidável sequência, onde ouvimos apenas música e em que vemos os dois protagonistas a "provarem" o sabor amargo da dura vida real). Ao incluir o sofrimento, Preston Sturges concretizou 'acidentalmente' as intenções do seu realizador ficcional, provavelmente seu alter-ego. «Sullivan's Travels» não é só um filme que nos faz rir (muito) como cumpre também o papel 'aborrecido' e pouco lucrativo (para as produtoras) de procurar as verdades escondidas dos males da América. Assim, ele vai de encontro (e a certa altura, contradiz também) o que é contado nesta história, porque a sua intenção é mostrar os valores do Cinema, que não são limitados a um género específico. Porque o Cinema, acima de tudo, é uma escapatória a realidade. E nessa fuga, muitos não terão disposição para, ao viverem no sofrimento, verem filmes sobre o sofrimento. E qual é o problema, se muitos veem a Sala como um meio de pura distração? Não valem de nada perpetuarem-se as catalogações do Cinema que retiram a esta Arte o facto de não ser algo que se adequa apenas para alguns, ou para um nicho muitos específico: cada um vê os filmes que quer e interpreta-os à sua maneira. E não pode haver mal nenhum com isso. Fazer os outros rir talvez possa ser a melhor coisa do mundo, e nao pode ser desvalorizada. Se bem que Hoje as comédias não sejam como esta, «Sullivan's Travels» alerta para o significado do humor como remédio para aturar melhor os problemas do quotidiabno. A ficção não precisa de ser feita só de (bons e maus) dramas, e há espaço para todos os estilos e géneros nesta Arte muito abrangente. E poucos são os filmes que passam assim esta mensagem tão descarada, mas que é tão incrivelmente real.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário