«Disparem sobre o Pianista» é o segundo filme do realizador François Truffaut. Foi feito um ano depois do magnífico «Os Quatrocentos Golpes», com o qual se tornou uma figura de renome no Mundo do Cinema. Adaptado de um romance americano, da autoria de David Goodis, o filme é uma transposição para a realidade francesa do estilo noir da obra policial e das grandes fitas que influenciaram o cineasta na sua própria reinvenção da Arte Cinematográfica, complementada com as sensacionais inovações e experimentações levadas a cabo pela geração da Nouvelle Vague. Cheio de influências dos grandes clássicos americanos, polvilhados pela intrigante banda sonora de Georges Delerue, «Disparem sobre o Pianista» é protagonizado pelo famoso e formidável cantor Charles Aznavour (que há pouco tempo até esteve em concerto por estas bandas, e que tem desenvolvido uma extensa e notável carreira como ator - tal como muitos artistas da sua geração), no papel de Charlie Kohler, o pianista do título, um personagem noir por excelência, que se vê a braços com uma história de amor e de crime, cheia de movimento e adrenalina, e que tem muitos apontamentos cómicos indiscretos, e muitas vezes ousados, que nos revelam muito da sociedade francesa daquela época e de uma sátira que não adivinhámos tanto em Truffaut no seu primeiro filme. Aqui a criatividade do cineasta trabalha de uma maneira diferente, apontando para outros caminhos, os quais não fizeram parte do percurso de Antoine Doinel nos «Golpes». A voz da consciência de Charlie dá à fita uma veia de character study (tão patente nesses filmes dos EUA, inesquecíveis e intemporais), que lhe diz o que deve fazer e como deve agir em cada situação, e como tudo o que o rodeia não consegue fazê-lo esquecer alguns erros importantes cometidos no passado. Vemos muitas vezes a personagem infringir o que a consciência lhe dita, mas percebemos que a Razão e a Emoção guiam Charlie com o mesmo peso, fazendo com que ele se deixe ir por impulsos, amores e familiares sem notar bem as consequências dos seus atos. Mas o piano tem de continuar a tocar...
Filme mais experimental e arriscado que o seu antecessor, «Disparem sobre o Pianista» aponta várias tentativas de encontrar caminhos novos para o Cinema, mas os métodos revolucionários, que Ontem tornaram esta obra um dos principais títulos da Nouvelle Vague, são hoje um pouco cansativos e retiram ao filme uma maior potencialidade visual que poderia estar mais assente em simplicidades que são esquecidas em favor de todo o movimento e desorientação "controlada" da câmara. Contudo, é uma boa fita, contada de forma brilhante, onde o declínio da personagem e a ruína dos seus Amores criam um conto irónico, trágico e profundo do Homem e da Arte do Cinema. Com alguns momentos de puro génio (os momentos finais são um exemplo disso, tal como outras grandes cenas - grandeza essa que fica a cabo do espectador avaliar ou não), «Disparem sobre o Pianista» "imita" bem os films-noir sem entrar na onda do plágio e da falta de imaginação. Porque o que não falta aqui é mesmo a criatividade e a versatilidade, que em tudo estão representadas em François Truffaut e no protagonista tão bem encarnado por Aznavour. Uma obra dinâmica e multifacetada, e uma pista para toda a complexidade que cresceria nos filmes posteriores do cineasta, que nunca quis parar de querer reinventar e reavivar o Cinema Francês.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário