‘Feliz Natal’ é a estréia satisfatória de Selton Mello na direção de longa metragem. O ator, dono de carisma enorme, timing humorístico único e um talento evidente para interpretação, aqui mostra a que veio em seu trabalho como cineasta – por trás das câmeras. Não decepciona. Selton filma bem e demonstra resultados de seus estudos e observações.
O filme acompanha Caio (Leonardo Medeiros), um homem de quarenta anos, que decide visitar a família. O encontro ocorre na reunião de natal, a partir da qual Caio se depara com mágoas e traumas do passado. Observamos, num curto período de tempo, as vidas dos personagens que envolvem ativamente a família, com suas respectivas melancolias e outras questões a serem ou não resolvidas.
O filme é marcado por um grande número de ótimas escolhas. A direção segura relaciona-se, divide e constrói seu filme com o elenco, que por sua vez tem espaço e liberdade de sobra para interpretar e criar – principal fator positivo da fita. O elenco trabalha e cria juntamente com seu diretor.
A climatização é perfeita: amparada pela funcional e intimista fotografia, pela trilha sonora alternativa e montagem esperta, competente e praticamente fundamental; por tudo isso é possível dizer que a fita é correta no que propõe e satisfatória em sua essência e em todo o contexto, seja no impecável aparato técnico, no ótimo elenco e em sua interessante proposta. Planos aproximados, subjetivos e que valorizam as interpretações e carregam ótimas possibilidades, revelam também um diretor ávido por improvisos do elenco e outras descobertas.
Selton aposta nas relações familiares e nos dramas pessoais, bem como seus respectivos desdobramentos, não menos dramáticos - captando sutilezas e momentos inspirados. O jovem cineasta consegue se segurar em suas pretensões, e executa seu trabalho de maneira concisa e competente, ao mesmo tempo em que aposta em alguns planos longos, focos variados, subjetividades - tratamentos esses sempre direcionados aos atores.
Em suma, é com esse tipo de tratamento intimista e participativo que surgem grandes interpretações. Destaque especial para Darlene Glória (que rouba a cena sempre que aparece) e Leonardo Medeiros, ambos em interpretações profundamente inspiradas; amparados também por um elenco não menos importante, como os outros destaques Graziela Moretto, Paulo Guarnieri e Fabricio Reis, em performances elogiáveis - entre um elenco totalmente competente.
O cineasta tem certo bom gosto e demonstra isso em seu trabalho. É especialmente interessante notar algumas simbologias como quando o garotinho (ator mirim promissor) brinca com um carrinho, para em seguida culminar em outro momento de destaque – este talvez, de certa forma, de grande importância simbólica ao filme -, algo que parece ilustrar claramente uma interessante analogia com Caio – o que pode justificar também o singelo primeiro encontro dos dois na festa de natal da família, logo na porta de entrada. A cena em que uma personagem aparece nua, por outro lado, corre o claro risco de ser interpretado como um dos poucos excessos, quando não parece deixar muito claras as suas pretensões ou a relação com a proposta do filme em si.
Por fim, em momento que aparenta se crucial à trama, quando são reveladas as questões pendentes da carga emocional relacionada ao protagonista, vê-se que Selton executou com competência e personalidade, apesar de se apressar em alguns outros desfechos. O diretor, pelo que parece, também não conseguiu atingir o tal clímax com tanta força quanto demonstrou pretender (apesar de bem intencionado), algo que, porém não diminuiu o filme, que do inicio ao seu final resume-se como uma experiência intimista muito competente. Uma feliz estréia.
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