Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada, As
Por: R. S. Franco
20/12/2010
Ansioso eu me encontrei para assistir a adaptação do meu livro favorito: ‘A viagem do Peregrino da Alvorada’, crônica pertencente a série aclamada de Clive Staples Lewis. Decepcionado eu estava após as quase duas horas de duração do longa-metragem. O filme não tem nem um pouco da magia da narrativa da obra original.
Edmundo e Lúcia voltam à Nárnia, acompanhados por seu primo irritante Eustáquio. A bordo do Peregrino da Alvorada se aventuram com Caspian em busca dos sete fidalgos amigos de seu pai e expulsos de Nárnia pelo seu tio Miraz. Então, o mal surge do nada, um nevoeiro, verde e grotesco, vindo de uma ilha negra onde os piores pesadelos vivem. Para derrotarem esse mal, eles precisam juntar as sete espadas mágicas de Nárnia, entregue por Aslam para cada fidalgo. Juntas essas espadas são capazes de libertar um poder antigo para destruir o nevoeiro.
Bem, esse é o resumo do filme, contarei, agora, a história do livro. A bordo do Peregrino, eles se aventuram em busca dos sete fidalgos numa viagem cheia de imprevistos. Não somente buscam os amigos do rei, mas por terras antes nunca descobertas e o mais importante, desejam chegar ao Fim do Mundo no país de Aslam. É uma viagem linear passando por cada ilha, não existe nevoeiro e muito menos espadas mágicas.
Em um primeiro momento, não parecem tão distintos o filme do livro, mas vamos analisar com mais profundidade as conseqüências no desenvolvimento e na lógica do filme essas pequenas mudanças.
Enquanto na crônica temos uma aventura linear onde as personagens se encontram em situações imprevistas e complexas, em cada ilha, tendo de vencê-las para continuar a jornada, dentro do filme a aventura fica presa a ilha e ao nevoeiro como o grande vilão. No livro, de fato, existe essa ilha negra, mas como as outras ela está ligada a acontecimentos onde o autor nos mostra um estudo sobre o comportamento humano, tendo de vencer o obstáculo e nessa ilha seus sonhos se tornam realidade, os sonhos mais assustadores que temos. A ilha dentro do livro é um dos obstáculos mais obscuros da história, porém não é a vilã, pois todas as ilhas e acontecimentos são os vilões.
O roteiro não nos traz argumento algum para explicar o que é o nevoeiro, por que pessoas são sacrificadas para ele, qual a sua origem, de onde vieram as espadas e por que foram entregues aos fidalgos. Explicações essas fundamentais. O desenvolvimento das personagens e da própria história é pouco profundo, não há um desfecho lógico, as coisas vão simplesmente acontecendo sem uma analise apurada do por que de tais situações. As cenas criadas por Michael Petroni (‘A rainha dos condenados’, 2002) se rendem completamente ao clichê e a uma pregação religiosa sem fundamento ao contexto que ele tentou criar como, por exemplo, a briga entre Edmundo e Caspian no lago cuja água transforma tudo em ouro, ou Lúcia roubando a página do livro mágico por inveja a beleza de sua irmã onde Aslam aparece para dar a lição de moral do dia. A única personagem com vida na trama que se desenvolve, de forma pobre, é Eustáquio que se transforma de um menino irritante e chato em um menino melhor de forma rasa diferente do livro, aonde Eustáquio, arrependido, por uma espécie de batismo por intermédio de Aslam consegue se libertar da sua pele suja e se lavar.
Existem inúmeras cenas sem nexo no filme: como e por que Eustáquio se transforma em um dragão; a cidade abandonada que não está abandonada; após Eustáquio ser transformado em menino novamente em uma ilha deserta aparece em seguida na ilha de Ramandu para fazer o feito que salvaria a todos; como o banquete de Aslam está sempre cheio mesmo depois de terem se alimentado ali; por que o vilão é a serpente e o maior medo de Edmundo sendo que a feiticeira branca está sempre presente; a ave que desce do céu e simplesmente desaparece; as centenas de pessoas surgindo do nada; o mal está presente em todo o lugar em forma de nevoeiro some sem deixar resposta sobre aquilo que realmente é e por que os Tontópodes estão no filme se não há explicação sobre eles e a crítica a sociedade usando-os feita por Lewis.
A direção de Andrew Adamson (‘Shrek’, 2001), mesmo não tendo sido tão eficiente com os capítulos anteriores da série, mas conseguiu equilibrá-los, é substituída pela de Michael Apted (‘Jornada pela liberdade’, 2006; ‘Nell’, 1994) acostumado a dirigir filmes mal elaborados. O diretor se entrega aos efeitos, o que de fato essa crônica exige e muito pelo nível de imaginação e situações criadas por Lewis, e se esquece de equilibrar conteúdo e tecnologia, atropelando todo o livro.
Em relação ao elemento religioso, li críticas apontando como algo ruim diretamente o próprio autor demonstrando assim a falta de conhecimento e fundamento com o material original, C. S. Lewis nunca escondeu suas referências ao cristianismo em todos os seus livros, não só a série ‘As crônicas de Nárnia’. A grande diferença está narrativa sutil e ‘perfeita’ do autor para com o roteirista que transformou o filme de forma desesperada em um grande sermão. Lewis faz isso de um jeito tão natural que todo esse conteúdo religioso pode passar despercebido, como já ouvi de vários amigos. A narrativa da crônica pode ser interpretada enxergando sim ou não tais elementos de pregação, quanto à adaptação, feita segunda a visão do roteirista, não consegue suavizar esses elementos jogando-os sem cuidado algum na tela. A cena final dentro do filme é o mais próximo que a adaptação chegou do livro. É grandiosa a cena, a parede de água e as palavras de Aslam.
‘A viagem do Peregrino da Alvorada’ é o pior episódio até aqui. Faltou vida e lógica a esse capítulo. Possui lindos efeitos que dão vida a um mundo mágico incrível, mas do qual não foi explorado intelectualmente, um filme vazio. É mais uma adaptação descuidada Hollywood, somente para gerar algum trocado.
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