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Cheguei a conclusão de que Bastardos é realmente o melhor filme do Tarantino, ao lado de Pulp Ficton.
Na primeira vez que vi gostei demais, por ter uma ambientação temática incrível, e ser extremamente envolvente e entusiasmante. Porém, percebi alguns defeitos no enredo, o que fez com que eu subestimasse esta obra. De fato, existem inconsistências no roteiro, por ex., Hugo Stiglitz teria sido rapidamente reconhecido por um oficial da Gestapo, o que não acontece (inclusive o plano inicial da operação também teria fracassado, pois Landa o teria reconhecido do mesmo modo), além de outras deficiências evidentes. Mas nada disso importa diante da direção absurdamente genial, e da metalinguagem que o filme carrega. Isso foi uma das coisas que eu percebi de forma mais patente: Tarantino meio que tira um sarro da cara do espectador, quando faz uma correlação entre o "filme dentro do filme", O Orgulho da Nação, e o próprio Bastardos. Ao mostrar o grotesco e caricato Hitler e sua plateia rindo e se deleitando com as mortes e toda a violência na tela, soa como se ele quisesse que o espectador se questionasse "serei eu tão diferente deles?". Várias mortes de ambos os filmes são mesmo parecidas, o que me faz confirmar o meu ponto. E a metalinguagem não para por aí. A brincadeira que ele faz ao mudar os eventos da história é brilhante e surpreendente por si só, contudo, muitas vezes os diálogos sutis de seus personagens mostram-se reveladores, como quando num momento Landa diz "mas nas páginas da história, ocasionalmente, o destino é reescrito e estende suas mãos." O que me faz pensar, Hitler já havia causado muitos problemas até aquele momento, mas se alguma das 42 tentativas de assassiná-lo tivessem sido bem-sucedidas, ele não teria cometido seu ato mais terrível, que foi a Solução Final. Milhões de vidas teriam sido poupadas...
A última frase do filme confirma a carga metalinguística, ao mesmo tempo em que aponta a confiança de Tarantino nesse trabalho: "acho que esta pode ser minha obra-prima". Declaração semelhante já havia sido feita de Hitler para Goebbels, em relação a seu filme.
Voltando à questão dos diálogos, é sabido que a verborragia e o excesso de conversas aparentemente banais são uma marca registrada do diretor, porém, ocorre que em todos os seus filmes isso se torna cansativo, pelo menos em algum momento - exceto nesse. Os diálogos aqui apenas contribuem para prender a atenção, criar tensão, desenvolver a história, tudo na medida certa, e em nenhum momento se torna enfadonho, ao menos para mim. Este é um dos pontos que o filme acerca em cheio, e me faz crer que seja de fato uma obra-prima deste diretor.
Mesmo o roteiro, sendo o elo mais fraco do filme, apresenta momentos memoráveis. No capítulo 2, Tarantino brinca com as linhas do tempo magistralmente, colocando uma cena dentro de outra, e então mais outra dentro desta. E tudo se resolve tão naturalmente bem que tal jogo de linhas narrativas sequer é percebido.
Outro dos alicerces é o Coronel Hans Landa, simplesmente o melhor personagem que Tarantino criou. Não apenas devido à atuação primorosa de Waltz, mas pela construção da profundidade e das diversas camadas que ele possui. Educado, cortês, meticuloso, e também uma presença dominadora - "espere pelo creme" - a todo momento buscando controlar a todos. O modo como ele conduz as conversas e manipula o interlocutor para chegar aonde precisa é assustador. "Sou um detetive. Um detetive muito bom". Representa de fato a figura clássica do detetive sherlockiano, com cachimbo e tudo. A cena do cachimbo, aliás, vi também como uma insinuação sexual fálica de poder sobre fazendeiro, cujo cachimbo era bem menor e mais simples. Há um tempo eu li uma teoria a respeito dele ser homossexual, e pensando agora até que faz sentido, porque diversas vezes se dirige a um soldado chamado Hermann, e no fim quando este morre, é o único momento em que Landa se mostra desequilibrado. Em outro diálogo, ele dá uma pista de ter um passado difícil: "eu estou ciente do que o ser humano é capaz quando abandona a dignidade". Claro, tudo isso é deixado em aberto para que o espectador tire suas conclusões, mas tendo a acreditar que foram elementos colocados propositadamente.
Afora tudo isso, o filme é empolgante e simplesmente cool demais. A pegada de faroeste se enquadrando com a trilha sonora perfeita, os diálogos magnéticos, o humor, a ambientação, seja do interior rural ou dos bosques da França, dos grandes salões,de Hitler ou do Alto Comando Inglês, e finalmente, a violência exagerada e estilizada, tudo é feito nos mínimos detalhes para a imersão de quem assiste nesta experiência singular.
Pulp Fiction pode ser o melhor em termos de roteiro, mas este é o melhor pela direção e por tudo o mais exposto acima.
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