Nine? Mais. Muito mais.
Já faz um bom tempo que alimento a vontade desse texto e seu jeito de desabafo. E foram as recentes e severas críticas ao novo musical de Rob Marshall que transformaram a vontade em realização. Sim. Estou carregando suas dores para casa e pretendo respondê-las todas. A verdade é que se instalou no imaginário daqueles que se dizem cinéfilos, como grande injustiça o que fizeram com Moulin Rouge no Oscar de 2002, ignorando o filme para os grandes prêmios. De fato, houve injustiça, mas na indicação do filme a tantas categorias. Moulin Rouge nunca foi essa “última Coca-Cola do deserto”. Nunca. Um filme longo demais, câmera nervosa demais, misto de tentativa de graça e desgraça que não funcionam e não combinam com a atuação despreparada de Nicole Kidman. Ou aquele jeito ofegante só irritou a mim?
É quando, no ano seguinte, surge Chicago, o melhor musical até 2009. Um filme extremamente peculiar, um musical bem pensado, onde cada cena está lá porque deve estar, e não para adaptar a música de um artista famoso a trama. O que Marshall faz em Chicago é primoroso e digno de melhor filme do ano sim. Ele nos mostrou uma forma ousada e criativa de fazer um musical, dispensando aqueles momentos constrangedores em que a personagem principal, de repente, canta “Bom dia!”. Edição excelente, fotografia incrível e direção presente. E as atuações? Meu Deus, o que é aquilo que Catherine e Renée fazem? Espetaculares, inteligentes e dignas de reconhecimento. O Musical.
Entretanto, os fãs de Baz Luhrmann, enlouquecidos, ditaram como audácia à premiação de Chicago no ano seguinte a candidatura de Moulin Rouge, ditando-a como “forma da Academia se redimir”. Confesso que rio alto toda vez que leio essa barbaridade. Seja-mos conscientes, por favor. Independente de gostarem de jazz ou Madonna, reflitam um pouco e respondam: qual musical se reinventa a partir do próprio gênero? Chicago ou Moulin Rouge? Não digo que Moulin Rouge é um filme péssimo, nem tanto. Sinceramente não acredito que exista um musical péssimo. Acho todos, acima de tudo, corajosos para tempos em que um filme de pessoas azuis é considerado película do ano. Todos musicais são merecedores de público. Mas somente filmes como Chicago são dignos de prêmios máximos.
Acontece que agora vem Nine, mais um musical de Rob Marshall levando injustamente as críticas daqueles que não se conformaram, até hoje, com a derrota de Moulin Rouge. Merecida derrota, ressalto. Criticam a direção, a atuação de um aqui, outro acolá, a fotografia (acredite, até a fotografia), o roteiro e a direção de arte. Juro que gostaria de ver argumentos convincentes, mas até agora, nada. Somente opinião pessoal e ressentimento pela derrota de Moulin Rouge.
Primeiro, quem disse que um musical só deve ter músicas dançantes deveria ir a uma boate ou ficar em casa assistindo ao desfile da Vitoria Secret, não para o cinema. Um bom musical sabe passar sentimento, seja no movimento, seja na ausência de movimento. As canções interpretadas por Sophia Loren, Nicole Kidman e Marion Cotillard são belíssimas e dificílimas de interpretação, visto que não tem um “cancan” para disfarçar o despreparo. Em Nine as atrizes são atrizes e pronto. Sejam dançando, cantando ou emocionando.
Destaquemos agora as performances de Fergie, Kate Hudson e Judi Dench como momentos de maior euforia no filme, balanceando com as canções mais dramáticas das estrelas já citadas. O resultado: um filme perfeito, com instantes de reflexão mesclados a momentos extremamente contagiantes. Nine é, sem dúvida, a receita certa para um musical histórico e que ganhará valor com o passar dos anos. Como se esquecer da atuação sensual de Penélope Cruz? Finalmente fui convencido por seu talento. Sempre tive o pé atrás com ela. Agora, tenho os dois a frente. Com Daniel, mesma coisa.
Outro aspecto encantador de Nine é a fotografia. Sei o quanto é difícil filmar uma canção lenta e dramática. Infelizmente vi isso virar um desastre na música “The winner takes it all” interpretada por Meryl Streep no filme Mamma Mia! Digo “infelizmente” por ser uma de minhas músicas preferidas, mas que mesmo com a bela voz de Meryl deixou a desejar. Motivo? Despreparo em fotografia. A cena se arrasta e Pierce Brosnan não sabe onde enfiar a mão, se no bolso ou na cara da Meryl para ela parar de cantar. Em Nine isso não acontece. A câmera sabe onde estar. Não nos sentimos constrangidos ao ver o filme nem aquela sensação de “vergonha alheia” que alguns musicais dramáticos passam. Já em relação às cenas dançantes de Nine, só me restam aplausos.
Em suma, o filme é histórico e supera, incrivelmente, Chicago. O que já era bom, ficou melhor ainda. O que já era Nine, ficou dez. Assistam e se deliciem com um musical inteligente, profundo, sem gente azul, metalingüístico e pensado em seus mínimos detalhes.
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