"Os Pássaros" é daqueles filmes difíceis de resenhar, de conteúdo complexo, diferente, que aborda temas pouco comuns – especialmente para o universo hitchcockiano. Acostumado a romances, suspenses policiais e derivados, Alfred Hitchcock traz a tona nesse trabalho algo completamente novo em sua carreira: o sobrenatural. Pois é! Muito mais do que um exercício de suspense, o clássico de 1963 nos instiga a refletir sobre algo que nunca vivenciamos, sobre o que temos medo e aquilo que jamais desejaríamos enfrentar: coisas do outro mundo. Além de tudo, o cineasta mostrou para o mundo toda a sua criatividade ao brincar com um assunto tabu para as pessoas (assunto esse que gera polêmica até hoje). De quebra, Hitchcock ainda mostrou sua enorme capacidade ao brindar o público com mais um bom trabalho, apenas três anos após "Psicose" - uma de suas obras-primas.
Talvez a primeira impressão que o longa passe após seu término é: “ué, mas acaba assim mesmo?”. Sim, "Os Pássaros" acaba de uma maneira estranha, podemos assim dizer, pois o diretor constrói todo um clima de suspense para no final deixar a maioria das coisas por resolver. Para quem gosta de filmes inseridos naquela fórmula básica do começo, meio e fim, é bem provável que esse trabalho de Hitchcock seja decepcionante. Quase caí nessa, confesso, mas depois de pensar um pouco e contextualizar com a época, concluí que o cineasta executou uma grande obra, repleta de pequenos detalhes, bem filmada e assustadora.
Sim, assustadora! Embora muito dos efeitos soem como mera tosqueira (hoje em dia nem assustam mais), é bom lembrar que na época aquilo foi revolucionário, pois Hitchcock sempre esteve muito à frente de seu tempo. Ainda assim, mesmo parecendo infantil e por vezes até risível (nos dias de hoje, volto a ressaltar), o diretor consegue montar um clima dos mais intrigantes, pouco visto antes na história do cinema. O ar sombrio, aliás, ganha contornos mais tenebrosos com a ajuda da ‘trilha sonora’. Entre aspas porque simplesmente há ausência de qualquer tipo de trilha. O diretor, junto com Bernard Herrmann – seu consultor e compositor -, optou por trabalhar a trama sem músicas. Isso já fica bem claro logo no início, quando aparecem os créditos sem nenhum tipo de som além do ruído de pássaros. O filme todo é assim, repleto de ruídos de todos os tipos, o que torna o suspense ainda mais macabro e curioso.
O desempenho do elenco contribui com o ar intrigante e sobrenatural - desde os protagonistas aos personagens menos importantes. Vale ressaltar que, como de costume, Alfred Hitchcock aparece em uma das cenas. É logo nos primeiros minutos, quando ele é mostrado saindo da loja de pássaros com alguns cachorros. Mas como o assunto aqui é outro, alguns atores merecem suas ressalvas. A bela Tippi Hedren está muito bem na pele de Melanie Daniels; algumas cenas suas, como a da cabine telefônica, por exemplo, passam um sentimento claustrofóbico impressionante. Aqui, ela está muito bem auxiliada pela maquiagem, que consegue reproduzir seus ferimentos com uma realidade admirável para aquela época. Acima de Tippi, quem merece todo o destaque é Jessica Tandy. Como Lydia Brenner, Jessica nos entrega uma personagem sinistra, enigmática e indecifrável. Suas atitudes têm pouca justificativa; é uma pessoa confusa, diabólica… sobrenatural, talvez? Para completar o trio, Rod Taylor também merece elogios: na primeira metade como o bonitão convencido e na segunda como o mocinho da história.
O fato é que com "Os Pássaros", Alfred Hitchcock se mostra capaz de obter destaque em diversas vertentes do suspense. Dessa vez sem roubos, sem assassinatos, sem vertigem, sem planos mirabolantes, sem nada comum em seu cinema. Talvez isso justifique o sucesso que a obra conseguiu ao longo das décadas, já que além de agregar elementos novos ao mundo hitchcockiano, temos ainda o ótimo trabalho de sempre, como personagens muito bem construídos, um suspense pra lá de amarrado e técnicas de filmagem impressionantes (é perceptível algumas cenas filmadas sem um único corte). Uma obra-prima das mais competentes que o cinema já viu, merecedora de muitos e muitos elogios.
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