O austríaco Josef von Sternberg, por volta dos anos 30, desenvolveu uma série de filmes com Marlene Dietrich. O diretor não só difundiu Dietrich como sua musa, como a alçou ao estrelato de Hollywood, por consequência, ajudou a construir um mito. Podemos afirmar que Dietrich foi a primeira atriz a ser usada como matéria prima artística no sistema de polos diretor/atriz. Nesse rol de criador/criatura, podemos citar facilmente Pedro Almodóvar/Penélope Cruz, Ingmar Bergman/Liv Ullmann, Vittorio de Sica/Sophia Loren, por exemplo.
A Vênus Loira (Blonde Venus, 1932) nos apresenta a estória da cantora de cabaré alemã Helen Faraday (Marlene Dietrich) e do químico industrial americano Edward Faraday (Herbert Marshall). Ambos se conheceram em circunstâncias buliçosas, quando Edward ainda era estudante e viajava pela Alemanha. Apaixonados, resolveram construir um protótipo do american way of life em solo ianque. Esta união fez com que Helen abandonasse as noites nos palcos para se dedicar aos cuidados do lar e por consequência, as necessidades de seu filho Johnny (Dickie Moore). A família seguia feliz até que Edward contrai quantidades de rádio prejudiciais a sua saúde e necessita de tratamento. A cura se encontra na Europa e para pagar a viagem do marido, Helen propõe voltar às noites, a fim de salvar a vida do esposo. Com talento e charme, Helen acaba se envolvendo com um homem rico (Cary Grant) e independente de qualquer situação, leva o filho consigo.
Apesar de o filme ser consideravelmente antigo, a dinâmica do roteiro e a direção ágil fazem com que esqueçamos o período do longa. Apenas nos lembramos da enorme lacuna de tempo que nos separa, nas tomadas que simulam externas ou quando os diálogos envolvem quantias de dólares (em certa passagem, Helen não tem dinheiro para pagar $0,85 em um diner). Ligada às reportadas qualidades de roteiro e direção, está a interpretação de Marlene Dietrich, que trabalha o roteiro a seu favor e traz genuinidade ao filme.
O assunto central sem dúvida é traição. Este assunto foi abordado de forma bem clara e direta para os padrões da época e talvez naquele tempo, somente uma atriz europeia pudesse desenvolver uma personagem tão aberta. Em sua primeira noite de volta aos holofotes, Helen consegue a quantia necessária para o marido viajar, flertando com um Cary Grant bem novo. Não demora muito e a cantora já está vivendo em uma confortável residência providenciada pelo amante na companhia do filho e com os privilégios que um homem apaixonado (e com dinheiro) pode proporcionar.
A partir deste momento Helen começa a mostrar uma gama de possíveis interpretações de seu perfil; visto que não sabemos nada sobre seu passado na Alemanha; fica no ar o caráter daquela mulher misteriosa. A confiança depositada pelo marido e os cuidados de mãe com seu pequeno filho, dissente da imagem da mulher inatingível e de voz grave nos palcos. Se é do feitio de Helen envolver homens conhecidos nos ambientes boêmios ou realizar trabalhos secundários acompanhando-os nunca saberemos. E se essas hipóteses ficam sem resposta, a dedicação de mãe é real e transcende a qualidade de artista dos palcos, que indiscutivelmente, é altiva. A situação de ter um marido doente poderia ser um pretexto para que Helen retornasse as casas noturnas? Isto fica a cargo do espectador.
Não há como questionar a composição de Dietrich como mãe. Seja contando histórias ao filho antes de dormir, dando banho ou almoço, a atriz consegue prestar veracidade e humanidade à sua personagem. Sternberg contrapõe a dona de casa devota ao filho em face da mulher de olhar penetrante e enigmático em diversos números sobre o tablado. Dois musicais são marcantes, nos quais Dietrich “contracena” com um gorila e o clássico número onde a mesma traja calças e cartola, cantando em francês.
Outro ponto indubitavelmente gracioso no longa é a presença do garoto Johnny. Em uma época sem os atuais coaches auxiliando os atores mirins nas gravações, o menino é de uma veracidade tocante e rouba todas as cenas em que aparece. Cabe uma pequena ressalva sobre Cary Grant. O ator desempenha exatamente o tipo de homem que o acompanharia por toda a carreira. Ou seja, o envolvimento amoroso de mulheres icônicas do cinema: Marlene Dietrich, Mae West, Katherine Hepburn, Joan Bennett, Jaen Harlow, Irene Dunne, Joan Fontaine, Ginger Rogers, Ingrid Bergman, Marylin Monroe, Deborah Kerr, Grace Kelly, Sophia Loren, Doris Day, Audrey Hepburn...Um ator de sorte!
Desta forma, A Vênus Loira funciona como o registro de uma atriz promovida pelo fascínio de um diretor que sempre fez questão de tramar a personalidade de sua estrela em meio às personagens que idealizava. Sternberg sempre fez questão de iluminar Dietrich pelos ângulos e matizes que desejava, e isso é claro nos títulos que concebia: A Mulher Satânica (The Devi is a Woman, 1935), Anjo Azul (Der Blaue Engel, 1930), A Imperatriz Vermelha (The Scarlet Empress. 1934). Estória agradável e filme recomendado para qualquer apreciador do cinema.
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