Pelos idos da década de 50, o cinema veio a se firmar como arte e ser apreciado por diversos segmentos sociais. Um costume amplamente recebido e cultuado pela população da época, assim como hoje. A Paramout foi responsável por um tipo muito particular de filmes na citada ocasião, que por mais que atendessem ao desejo da população por entretenimento (grandes bilheterias), também contavam com uma análise ou estudo de caso do ser humano na sociedade em que ele se insere.
“Sunset Boulevard”, “Sabrina”, “A Place in the Sun” e este “The Country Girl”, são exemplos claros de filmes que possuem mais do que as embalagens que os envolta: algo que parece superficial, mas que na verdade é munido de uma crítica carregada, nuances em suas entrelinhas. Assim sendo, o estúdio trouxe algo novo até então.
“The Country Girl” nos apresenta a vida de Frank Elgin (Bing Crosby), um talentoso ator de teatro e musical assolado pelo alcoolismo, proveniente de uma culpa que carrega. Por tal razão, o mesmo encontra-se em decadência e é aparado por sua leal e austera esposa Georgie Elgin (Grace Kelly). Acreditando em seu talento e competência, Bernie Dodd (William Holden) amigo de Frank e influente diretor de teatro no circuito da Broadway, luta para que Frank seja o protagonista de seu novo projeto.
O roteiro dinâmico e direto, mas sinuoso, proporciona ao trio de protagonistas a possibilidade de moldar e remodelar a personalidade das personagens ao longo do filme. A primeira impressão que temos é que Frank é uma vítima de toda situação que a vida lhe impôs, sendo o lado frágil do seu matrimônio com Georgie. No primeiro ato, não é difícil criamos simpatia a sua pessoa e recriminar as atitudes de sua esposa. Em seguida, os papéis se invertem e percebemos que o quê fora apresentado não se trata de uma verdade absoluta. Compreendemos por completo o comportamento de Georgie e a primeira imagem de Frank vai se dissolvendo gradativamente.
Bing Crosby compõe de forma justa um Frank Elgin enternecedor. Por mais que Frank utilize de sua condição de ator e dissimule ao longo do filme, a primeira impressão, de um atormentado sobre os domínios de sua esposa tirana é a que fica. Frank mente descaradamente para Dodd a respeito de sua esposa e nos convence sem dificuldade de que a matriz dos problemas em sua vida é oriunda de sua mulher. Além disso, a primeira aparição de Crosby, onde utiliza seu carisma e de sua voz aveludada para nos fascinar, é suficiente para comprarmos sua narrativa.
Se Crosby se transforma no marido submisso e alcoólatra, Grace Kelly não só foge de sua persona de mulher fina e delicada, como desenvolve uma personagem dúbia, ambígua e antipática. Quais são as razões que Georgie é tão dura com o pobre Frank? Ela está cansada de viver em um conjugado mal iluminado em Manhattan? De ter o dinheiro contado? De não ter mais um homem ao seu lado em virtude da bebida? Casou com um homem bem mais velho, mas com dinheiro e agora está com raiva dele? É até possível crermos que Frank bebe em razão de ter uma esposa como Georgie. Esqueça a Grace Kelly ícone. Ícone de beleza, da moda ou de glamour. O roteiro trabalha e exige interpretação de uma atriz. Os melhores diálogos e sequências do longa são de responsabilidade dela. Não à toa, conseguiu um Oscar pela compreensão da personagem e execução de modo multidimensional desta.
O personagem de William Holden se insere de forma essencial para a mecânica da fita. Se Bernie Dodd se comporta como um anjo da guarda de Frank e a "luz no fim do túnel", por tentar afastar Georgie dele, (por crer com veemência que Frank sofre por ter Goergie como esposa), existe uma tensão sexual entre ele e Georgie desde a primeira tomada dos dois. Holden usa de sua virilidade e masculinidade, para criar uma atmosfera interessante. Dodd ignora Georgie como mulher e a ojeriza por seu comportamento (tanto autoritário a Frank, quanto por sua aparência), mas a medida que o ódio aumenta, o mesmo percebe que aquela mulher é leal ao seu esposo independente do que ocorra. Se houve alguma “infidelidade”, a lealdade daquelas pessoas seguiu imune. O roteiro quebra com um maniqueísmo que poderia ser facílimo de vender.
Todos os méritos deparados são em razão única de um roteiro magnífico e baseado em sutilezas e energia de diálogos. George Seaton não teve muito trabalho, somado os atores afinados. A fotografia em preto e branco é mais um benefício a favor da obra e se talvez a mesma se encontre datada, isto não a desclassifica como um bom filme e justamente conte para que ela venha a ser um drama coerente. Pouco divulgado e difícil de ser encontrada, esta obra figura representativa dentro da Era de Ouro de Hollywood, com elementos que se não são tão valorizados, certamente estão lá e documentam o início do que conhecemos hoje.
Billy Wilder deve ter assinado embaixo dessa bela obra.