Vivemos no século XXI e a religião ainda desempenha um papel importante na sociedade. No caso da Igreja Católica, ainda que certos dogmas - tais como o celibato e a condenação do uso de anticoncepcionais - sejam motivo de divergência até entre os fiéis mais ortodoxos, é inegável a influência da instituição religiosa no modo de pensar e de viver de expressiva parte da população ocidental. Ao voltarmos quatro séculos, aumenta-se exponencialmente o poder da Igreja. É nesse contexto em que "O Monge" (2011 está mergulhado.
A produção francesa de 11 milhões de euros narra a história de Ambrosio, o mais carismático e admirado monge de um mosteiro em uma região pouco habitada de Madri. Ele chegou ao local ainda bebê, abandonado e encontrado por outros religiosos. O curioso sinal de nascença na forma de pata diabólica presente em seu ombro logo causou divergências entre os monges: o bebê devia ser abandonado ou teria a chance de ser educado de acordo com as leis sagradas? Logicamente, a segunda opção é a vencedora, e Ambrosio, com o passar dos anos, se torna um exemplo de integridade e de dedicação espiritual.
Após ambientar o espectador ao ambiente tradicionalista e ortodoxo, começam a surgir na tela elementos perturbadores da ordem. Fica então claro que o mundo pacato ali retratado sofreria fortes abalos. E a representação principal dessas turbulências está sob a forma de Valerio, um misterioso garoto que chega ao mosteiro sem nenhuma parte de corpo visível - de acordo com o seu responsável, ele nascera com o terrível logro de não poder ter contato com a luz solar - e com uma máscara. Imediatamente a deficiência do candidato a ingressar na disputada escola dos monges foi interpretada como um sinal do demônio. Ambrosio intervem, dizendo que o julgamento do garoto lembrava o seu próprio julgamento quando ainda bebê, e aceitou a presença de Valerio na escola.
Com Valerio no monasterio, misteriosos e funestos acontecimentos começam a surgir: sonhos sem sentido na cabeça de Ambrosio, a morte de um monge, o fervor religioso de uma jovem... Os alicerces do mundo ali criado cedem um por um. Até que Valerio retira a sua máscara na frente de Ambrosio. Nesse momento, está tudo perdido.
É muito interessante o constante clima de tensão que o diretor Dominik Moll imprime à sua obra, transformando um filme religioso num eficiente thriller comportamental. Li críticas negativas à edição do filme, porém não posso concordar. A montagem, a direção, o roteiro: tudo parece funcionar satisfatoriamente, sem brilhantismos. Talvez o ponto forte da produção tenha sido a atuação de Vincent Cassel como Ambrosio, muito convincente e inspirada. Mas não há como associar essa sua boa atuação à direção de Dominik Moll, pois há uma bem ensaiada desconstrução do personagem principal (aos moldes de Lars Von Trier), sendo esse elemento a espinha dorsal do filme.
O colapso de um mundo regido por pensamentos extremamente tradicionalistas é, sem dúvidas, o ponto principal da película. E a síntese dessa ruína é a desconstrução de Ambrosio, que vai do monge exemplar no inínio do filme a algo bastante diferente no final. O clima tenso funciona a ponto de não tornar piegas os tabus retratados, os quais, numa sociedade liberal (ou pseudo-liberal) como a nossa, não são capazes de impressionar a ninguém. Ademais, o mundo do século XXI é claramente bastante diferente do mundo do século XVII. Porém, com um olhar mais atento, vemos ainda presentes alguns tabus no mínimo datados na nossa sociedade. Aguardemos a vinda de um Valerio para provocar essas mudanças.
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