O título "Intocáveis" evoca, involuntariamente, o grande clássico de Brian De Palma ambientado em Chicago durante a Lei Seca. A produção de 1987 reuniu elenco estrelar - Kevin Costner, Sean Connery e o próprio De Palma - e trama intensa para retratar a complexa ação policial contra mafiosos contrabandistas de bebidas. O filme tornou-se uma nova referência no gênero consagrado pela obra-prima de Coppola "O Poderoso Chefão" (1972), que dispensa apresentações e elogios.
Porém o enredo da produção francesa de mesmo nome em nada se assemelha à produção de Brian De Palma, apenas na capacidade de agradar à plateia. Após nove semanas do seu lançamento, Intocáveis (2011) tornou-se o segundo maior sucesso de público da história do cinema francês, uma marca notável para uma comédia simples e despretenciosa. O filme relata o caso real do milionário tetraplégico Philippe, o qual procura um cuidador pessoal. Na sua suntuosa mansão barroca em Paris, uma fila de candidatos ao emprego esperam para apresentarem seus currículos e recomendações. Lá encontra-se também Driss, senegalês habitante da capital francesa e ex-presidiário. Ele é o único totalmente desinteressado no emprego. Quer simplesmente uma assinatura provando que procurara um trabalho, porém fora descartado pelo seu antecedente criminal, para então garantir o recebimento de seguro desemprego.
No entanto, a demora para ser atendido faz com que Driss invada o escritório de Philippe. A secretária do milionário, Magalie, inicia a entrevista. Driss logo revela seu verdadeiro objetivo, entregando o papel à mulher. Philippe começa a questionar o modo de vida de Driss, e eles travam um engraçado diálogo recheado de ironias. Então o endinheirado fala que o homem conseguirá ter seu papel assinado no dia seguinte, e ainda desafiou: "Você não duraria duas semanas nesse emprego". A partir daí, o óbvio acontece, ou seja, Driss consegue o emprego.
Tudo forçaria uma história dessas a seguir um viés inocente e piegas quando exageradamente construido, no qual o pobre e indefeso deficiente precisa de auxílio de seu cuidador para realizar as mais básicas atividades do dia-a-dia. Felizmente o filme não segue essa trilha equivocada. Driss em momento algum sente pena de Philippe por sua condição de tetraplégico, pelo contrário, trata-o como um ser humano qualquer, o que de fato ele é. Por que um tetraplégico seria tratado de forma especial, no sentido de não poder ser contestado ou nunca estar errado? Nada disso, Driss não perde chances de contestar o chefe e de fazer piadas de bom gosto sobre a deficiência física do milionário.
A personalidade de Driss, interpretado por Omar Sy, é a sustentação da película, a qual não se preocupa em apoiar-se na deficiência física, mas numa verídica história de superação do próprio cuidador. Ele é quem, ao melhorar a vida de Philippe, consegue resolver seus problemas familiares, sair da vida marginal e conquistar valiosas amizades. É muito bonito notar que ele recebe no início do filme olhares de censura e reprovação dos outros pedantes empregados, e já no final, olhares sorridentes e simpáticos das mesmas pessoas.
Philippe, interpretado sublimemente por François Cluzet, tem ciência de que deve tudo o que conquistou na vida - casa, carros importados e outros bens materiais - não valem metade do preço da experiência de receber do empregado uma pintura para ser vendida em algum leilão de arte (quem ver o filme entenderá). E o mais enriquecedor para o público no cinema é ver, ao final do filme, que Driss e Philippe são pessoas reais, ainda vivas e ainda amigas.
O que parece a história de superação de um tetraplégico aristocrata é na verdade a narrativa do sucesso de um homem que desde sua infância passa por desventuras e que, a qualquer custo, poupará seus familiares mais novos de terem a mesma desagradável experiência. O apelo popular do filme se deve a ser uma eficiente comédia com uma bela lição de vida - "O Escafandro e a Borboleta" (2007), outro filme que deve ser visto, utilizou, por sua vez, um tom dramático para abordar a superação do deficiente
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