Um grande nome do cinema britânico e mundial.
Para a geração atual, Richard Attenborough era aquele velhinho gordinho de barba branca, talhado para interpretar o Papai Noel em produções infantis e inofensivas, típicas de sessões da tarde (o que de fato ele acabou fazendo no fim da sua carreira), ou o avô meio atrapalhado que inventara o Parque dos Dinossauros para o deleite seus netos. O público mais novo, no entanto, não tem a dimensão do que este SIR (assim nomeado em 1976) de 1,70m, não muito bonito, eterno rosto de garoto, uma espécie de Mickey Rooney inglês, representou ao cinema britânico. Quando estava à frente das câmeras ou nos palcos londrinos, Attenborough viveu personagens perturbados, serial-killers, marinheiros de guerra, falsos malandros e cientistas malucos. Atrás dela, fez da biografia de grandes personalidades o caminho para abordar o seu tema preferido: a humanidade. Attenborough sempre foi acusado pelos críticos de ser um cineasta acadêmico, convencional, que priorizava (talvez demais) a história e não a imagem, uma espécie de primo pobre (bem pobre) de David Lean. O que os críticos não perceberam foi que Attenborough nunca escondeu que o espírito do seu cinema era esse mesmo, e que aquilo que era visto com um defeito, no fundo, era a própria razão que justificava seu ofício como diretor: um cineasta que via na sua arte, de representação e de direção, um atalho para a discussão dos grandes problemas do ser humano. E se pra isso fosse necessário sacrificar o seu cinema e desgostar os críticos de plantão, what a hell!
Richard Samuel Attenborough nasceu em Cambridge, a 100 km de Londres, em 29 de agosto de 1923. Era o mais velho dos três filhos do casal Frederick Levi Attenborough e Mary Clegg. Seu pai, um membro importante do Emmanuel College, um dos braços da Universidade de Cambridge, e umas das instituições de ensino mais respeitadas de toda a Inglaterra. Sua mãe, uma grande ativista política de esquerda, tendo dado abrigo a refugiados judeus durante e após a 2ª Guerra Mundial.
Aos 9 anos, sua família se afastou ainda mais da capital inglesa e se mudou para Leicester. Apesar de matriculado em boas escolas e mesmo tendo a referência paterna, o garoto nunca mostrou lá muito interesse na vida acadêmica. Sua real paixão era a arte da representação e da cultura erudita. Nessa fase, ele chegou a se apresentar, ainda de forma amadora, em pequenos programas humorísticos no teatro local, alguns deles dirigidos por sua mãe. Em 1941, já aos 18 anos, Richard mudou-se para Londres para cursar a Royal Academy of Dramatic Art (RADA), até hoje uma das escolas de artes dramáticas mais respeitadas do Reino Unido. Foi lá que conheceu a também a aspirante a atriz Sheila Sim, com que se casaria em 1945.
Sua vida mudaria por completo em 1942. Ainda na condição de estudante da RADA, Richard foi escalado para viver um marinheiro desertor no clássico de guerra Nosso Barco, Nossa Alma (In Wich We Serve, 1942), produção da dupla Noel Coward e David Lean, e que mostrava, a partir dos dramas pessoais dos membros da tripulação de um destróier da Marinha Real, os efeitos da 2ª Guerra Mundial na sociedade inglesa. Mesmo não recebendo crédito pela participação, a estampa anti-galã e a interpretação sincera e intensa (talvez intensa demais) faziam com que o público se identificasse com ele.
Paralelamente ao cinema, Attenborough desenvolvia uma florescente carreira no teatro. Sua estreia no West End, espécie de Broadway londrino (só que muito maior), foi na pele de Ralph Berger, o filho mais jovem de uma família judia em Awake and Sing, de Clifford Odets, e que arrancou elogios dos jornais da época. Seu maior sucesso, no entanto, viria em 1943 com Brighton Rock, adaptação do romance de Graham Greene, em que ele personificava o jovem gangster Pinkie Brown. Quatro anos depois, sob a direção de John Boulting, Attenborough voltaria a este papel nos cinemas no filme Rincão das Tormentas (Brighton Rock, 1947), também creditado em algumas fontes como O Pior dos Pecados.
Em 1943, Attenborough se alistou na RAF. Nessa época, a Força Aérea Real possuía uma unidade de cinema voltada exclusivamente ao registro histórico dos confrontos bélicos. Não há qualquer testemunho neste sentido, mas é possível especular que as primeiras experiências atrás das câmeras do jovem Richard tenham começado justamente aí, diante daqueles inúmeros rolos de filmes que retratavam o horror das bombas explodindo sobre o solo alemão. De qualquer forma, em 1944, o departamento de cinema da RAF não se limitava ao estilo documental e abria espaço para algumas obras de ficção. Foi nessa fase que ele autuou ao lado de Edward G. Robinson (que abriu mão do próprio salário) e da sua esposa Sheila Sim (cuja participação foi cortada na montagem final) em Journey Together (idem, 1945), produção dirigida por John Boulting que tinha por principal objetivo reforçar a relação de amizade entre Inglaterra e Estados Unidos contra a ameaça nazista.
Na segunda metade dos anos 40, já com a Alemanha devidamente derrotada, Richard atuou em diversos filmes britânicos, alguns deles nunca lançados no Brasil. Um dos mais famosos foi o hoje clássico Neste Mundo e no Outro (A Matter of Life and Death, 1946), produção dirigida pela dupla Michael Powell e Emeric Pressburger e estrelada por David Niven. Esteve em School of Secrets (idem, 1946), que marcou a estreia de Peter Ustinov na direção e em The Man Within (idem, 1947), em que interpretava Francis Andrews, um gangster adolescente que traia seu mentor vivido por Michael Redgrave. Richard já tinha 25 anos, estava pronto para maiores desafios, mas seu rosto imberbe o tornava próprio para personagens bem mais jovens. Em The Guinea Pig (idem, 1948), por exemplo, ele interpreta um pobre rapaz de 15 anos que se depara com as deficiências do ensino público. Já em Boys in Brown (idem, 1949), ele volta a atuar como um adolescente, dessa vez ao lado de Dirk Bogarde.
No início dos anos 1950, Attenborough atuou em uma série de dramas de guerra, entre eles Morning Departure (idem, 1950) – em que praticamente recriava, dessa vez com créditos, seu personagem de Nosso Barco, Nossa Alma – Gift Horse (idem, 1952) e A Morte de um Herói (The Ship That Died of Shame, 1955). A maioria destas produções ficaram datadas, tanto na narrativa quanto na temática militar. Se no cinema, Richard começava a se repetir, no teatro a coisa ia bem melhor. Entre 1952 e 1954, ele esteve na pele do Sargento e Detetive Trotter na primeira montagem de A Ratoeira, de Agatha Christie, talvez o maior fenômeno dos palcos londrinos de todos os tempos, em cartaz há mais de 50 anos.
Cansado de ser visto pelos estúdios britânicos como o eterno adolescente, Attenborough resolveu entrar nos anos 1960 com outro espírito. Ao lado de outros nomes importantes do cinema inglês, como Bryan Forbes, Guy Green, Basil Dearden e Jack Hawkins, ele fundou uma produtora, a Beaver Films, e uma distribuidora, a Allied Films. Seu primeiro filme como produtor foi Momentos de Angústia (The Angry Silence, 1960), em que ele interpretava um metalúrgico que se voltava contra seus colegas de profissão durante uma greve. Em seguida, esteve na comédia de assalto Os Sete Cavalheiros do Diabo (The League of Gentlemen, 1960), ao lado de uma galeria de astros britânicos. Attenborough também produziu e atou em Farsa Diabólica (Seance on a Wet Afternoon, 1964), em que interpretava o vulnerável marido de uma médium vivida por Kim Stanley (em papel que rendeu a ela uma indicação ao Oscar).
Aos 40 anos e com uma carreira já consolidada no cinema e no teatro inglês, Attenborough fez sua estreia em Hollywood na clássica aventura de guerra Fugindo do Inferno (The Great Escape, 1963). Sob a batuta de John Sturges, ele interpretava o mentor intelectual da fuga que é colocada em prática pelos presidiários vividos por Steve McQueen, James Garner, Charles Bronson e James Coburn. Em seguida, dirigido por Robert Aldrich e ao lado do veterano James Stewart, foi o tripulante alcoólatra responsável pela queda do avião no deserto do Saara em O Voo do Fênix (The Flight of the Phoenix, 1965). Voltou a trabalhar com Steve McQueen no épico de guerra O Canhoneiro de Yang-Tsé (The Sand Pebbles, 1966), em que vivia um membro da tripulação de um submarino que se apaixonava por uma garota chinesa (papel que lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante). Fechou sua participação no cinema americano nesta década no musical mastodonte O Fabuloso Doutor Dollitle (Dr. Dollitle, 1967), papel que lhe deu um novo Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante. Entre um trabalho e outro, ainda teve tempo de ganhar o BAFTA de melhor ator britânico por Os Rifles de Batasi (Guns at Batasi, 1965).
Os altos salários pagos pelo cinema norte-americano permitiram a Attenborough sonhar com voos maiores. E não era segredo para ninguém que seu maior desejo, o único projeto que ele se via dirigindo, era levar às telas a vida do líder indiano Mahatma Gandhi. Ainda assim, a proposta de dirigir Oh! Que Bela Guerra (Oh! What a Lovely War, 1969) era tentadora demais para ser recusada. A produção era recheada de astros britânicos e se propunha a transpor para o cinema a famosa peça de Joan Littlewood, uma corrosiva sátira dos horrores da 1ª Guerra Mundial. Attenborough aceitou o desafio e, de cara, levou para a casa o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro (numa época em que os filmes britânicos não faziam parte das categorias tradicionais faladas na língua inglesa), uma indicação ao prêmio do DGA, o Sindicato dos Diretores de Cinema da América, e vários BAFTAS técnicos.
Ao longo dos anos 1970, Attenborough diminuiu consideravelmente sua presença diante das câmeras. Dos poucos filmes que atuou nesse período, os destaques vão para O Estrangulador de Rilligton Place (10 Rillington Place, 1971), em que, sob a direção do sempre confiável Richard Fleischer, fazia o serial-killer John Christie; O Jogador de Xadrez (Shatranj Ke Khilari, 1977), em papel coadjuvante dirigido pelo mestre indiano Satyajit Ray; e os dois últimos trabalhos do veterano diretor e carrasco nas horas vagas Otto Preminger: Setembro Negro (Rosebud, 1975) e O Fator Humano (The Human Factor, 1979).
Neste mesmo intervalo, Attenborough encarou três projetos como diretor. O primeiro deles foi As Garras do Leão (Young Winston, 1972), que, conforme o próprio título original acena, retratava a vida de Winston Churchill antes do braço-de-ferro com Hitler. O filme venceu o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e foi indicado a alguns Oscars técnicos, mas seu estilo acadêmico (que de certa forma prenunciava Gandhi) é hoje visto como um ponto negativo. Cinco anos depois, Richard aceitou um trabalho de encomenda no drama de guerra Uma Ponte Longe Demais (A Bridge Too Far, 1977), que recontava um obscuro episódio da 2ª GM ao estilo O Mais Longo dos Dias (The Longest Day, 1962), isto é, três longas horas de duração, mensagem irritantemente patriótica, e um elenco lotado de participações especiais de astros, que entrava e saiam de cena sem que o público sequer percebesse. O filme chegou a ser indicado ao BAFTA de melhor filme e direção, mas hoje não resiste a uma revisão. Seu último trabalho foi em Um Passe de Mágica (Magic, 1978), um projeto menor, diferente de tudo o que tinha dirigido até então, e que rendeu a Anthony Hopkins, no papel de um perturbado ventríloquo, indicações a alguns prêmios importantes.
Então era chegada a hora. Atttenborough finalmente estava pronto para dirigir Gandhi (idem, 1982). No papel principal, uma aposta ousada: Ben Kingsley, um desconhecido ator inglês, de 39 anos, cuja carreira artística até então era exclusivamente dedicada à televisão. Ao lado do estreante, um elenco repleto de astros britânicos e americanos, como John Gielgud, Edward Fox, Trevor Howard, John Mills, Martin Sheen, Candice Bergen e um quase irreconhecível Daniel Day-Lewis (também em seu filme de estreia). Apesar do convencionalismo da direção e suas longas 3 horas e 11 minutos, Gandhi não deixa de ser bastante eficaz dentro da sua proposta.
O retrato de um personagem “maior que a vida”, o tema “importante” da independência da Índia do Império Inglês, e o tom épico da narrativa, que remetia às grandes produções de David Lean, caíram em cheio no gosto da Academia, que lhe concedeu 8 Oscars, a maior premiação dada a um único filme desde Minha Bela Dama (My Fair Lady, 1964). Gandhi ainda levou pra casa 5 Globos de Ouro e 5 BAFTAs (Attenborough foi premiado por ambas as entidades). O diretor ainda ganhou o prêmio do Sindicato dos Cineastas da America (DGA).
Com tanto cacife assim, a escolha de Attenborough para seu próximo projeto na direção foi no mínimo estranha: Chorus Line - Em Busca da Fama (Chorus Line, 1985), um musical tipicamente americano, ao estilo Bob Fosse, e que pouco tinha a ver com sua fleuma britânica. O resultado foi decepcionante.
Dois anos depois, ele voltou ao terreno mais seguro dos épicos, ao dirigir o drama anti-apartheid Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987), com Kevin Klyne no papel do jornalista Donald Woods que investiga a morte do ativista Steve Biko, interpretado por Denzel Washington. O filme é bem eficiente na primeira metade, mas infelizmente se rende ao formato do thriller na segunda, quando o protagonista é obrigado a fugir da África do Sul com os resultados da sua averiguação. Por esse filme, Attenbourough foi indicado ao Globo de Ouro e a BAFTA de melhor direção.
Provando que atrás das câmeras o que ele gostava de explorar eram as cinebiografias, Attenborough voltou ao batente após um hiato de 5 anos com Chaplin (idem, 1992). Assim como fizera em Gandhi, o diretor apostou em um ator improvável para viver o personagem título: Robert Downey Jr. Attenborough provou que estava certo mais uma vez, já que a interpretação de Downey – indicada ao Oscar – é o aspecto mais marcante de um filme que, se está longe de ser ruim, novamente se ressente do tom acadêmico e pouco arrojado do cineasta.
Saindo do mundo do vaudeville e do cinema, Attenborough resolveu retratar a vida do escritor e teólogo C.S. Lewis, hoje mais conhecido do grande público após as adaptações cinematográfica de seu romance O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. O filme chamava-se Terra das Sombras (Shadowlands, 1993) e contava o romance do travado e rígido Lewis com a poetisa americana Joy Gresham. Attenborough entrou no projeto após as desistências de Barbra Streisand e Sydney Pollack e foi ele o responsável por escalar Anthony Hopkins e Debra Winger no papel do casal central. Desta vez o tom acadêmico da direção de Attenborough combinava com a proposta do projeto, algo mais ao estilo James Ivory de ser, e o resultado final foi bastante satisfatório. Terra das Sombras ganhou o BAFTA de melhor filme britânico de 1993 e Attenborough foi indicado ao prêmio de melhor direção. Pra fechar a década, ele ainda dirigiu outros dois projetos de menor repercussão: No Amor e Na Guerra (In Love and War, 1996) e O Guerreiro da Paz (Grey Owl, 1999).
Durante as filmagens de Terra das Sombras, Attenborough decidiu aceitar o convite de Steven Spielberg para interpretar John Hammond, misto de cientista maluco e empresário inescrupuloso, responsável pela construção do parque temático com dinossauros ressuscitados geneticamente, no mega-sucesso Jurassic Park - Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993). Era seu primeiro filme como ator depois de uma ausência de 14 anos. Sua volta para frente das câmeras fez com que ele fosse lembrado para algumas produções importantes dos anos 90 (outras nem tanto), entre elas Milagre na Rua 34 (Miracle on the 34th Street, 1994), refilmagem do clássico familiar De Ilusão Também se Vive (Miracle on the 34th Street, 1947); Hamlet (idem 1996), a adaptação integral do texto de Shakespeare levada às telas pelo então prestigiado Kenneth Brannagh; Elizabeth (idem, 1988), do também então prestigiado diretor Shekar Kapur; e O Mundo Perdido: Jurassic Park (The Lost World, 1997), inevitável e infeliz continuação do blockbuster de Spielberg.
Na primeira década do novo século, Attenborough praticamente se afastou dos cinemas por completo. Seu último trabalho na direção foi no romance à moda antiga Um Amor para Toda a Vida (Closing the Ring, 2007), com os veteranos Shirley MacLaine e Christopher Plummer. Três anos antes, ele sofreu seu maior trauma familiar, quando Jane, sua filha mais velha, e Lucy, sua neta, foram identificadas entre os mais de 200 mil mortos no devastador tsunami ocorrido na Indonésia, no Natal de 2004. Em 2011, Attenborough confinou-se a uma cadeira de rodas e raramente passou a ser visto publicamente. No ano seguinte, ele e sua esposa Sheila passaram a viver numa casa para atores idosos em Londres. Richard Attenborough morreu em 29 de agosto de 2014, aos 90 anos.