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Perfis

Foto de Eduardo Coutinho

Eduardo Coutinho

Idade
80 anos
Nascimento
11/05/1933
Falecimento
02/02/2014
País de nascimento
Brasil
Local de nascimento
São Paulo, SP

O documentário como uma experiência sempre em expansão.

Há duas vertentes que se sobressaem na trajetória artística de cinquenta anos de Eduardo Coutinho: a do Cinema Novo, nos primórdios de sua carreira, de cuja geração fez parte e no qual surgiu para a profissão, como roteirista e diretor; e o documentário, gênero que mais tarde renovaria expandindo suas possibilidades e se firmando como a maior referência no cinema brasileiro. Essas duas circunstâncias se ligam na gênese e, duas décadas depois, finalização e lançamento de Cabra Marcado Para Morrer (idem, 1984), o projeto interrompido que adquiriu posteriormente uma outra dimensão, que transformou o gênero e marcaria a filmografia do diretor. Dali em diante o que ocorreria era a reinvenção contínua e constante de um realizador de um fôlego sem fim que nunca se esgotou ou deixou de surpreender.

Nascido em São Paulo em 11 de maio de 1933, Eduardo Coutinho voltou-se ao cinema depois de um Seminário promovido pelo MASP, em 1954, quando passou a se interessar por roteiro. Abandonou a faculdade de Direito e foi revisor na revista Visão (1954-57), indo para Paris estudar direção e montagem com o dinheiro que ganhou num concurso de televisão respondendo perguntas sobre Charles Chaplin. No IDHEC, onde estudou, teve suas primeiras experiências na realização de documentários.

 Ao retornar ao Brasil em 1960, encontrou o país prestes a entrar num momento de grande efervescência cultural e política: as novas gerações delineavam o que seria o Cinema Novo, e ao mesmo tempo as ruas viviam um período de discussões e grandes utopias, em torno de temas como socialismo e reforma agrária. Coutinho entra em contato com o movimento cinematográfico então em formação, e com o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE. Trabalhou com teatro e foi gerente de produção do primeiro filme produzido pelo CPC, o hoje histórico Cinco Vezes Favela (idem, 1962) Em 62, em viagem com uma caravana da UNE, conhece a viúva do líder camponês assassinado João Pedro Teixeira, e dois anos depois inicia as filmagens do que seria o segundo filme produzido pelo CPC, Cabra Marcado para Morrer, sobre a vida de Teixeira e as Ligas Camponesas no interior de Pernambuco, um projeto de ficção que contaria com os próprios camponeses do Engenho Cananeia como atores não-profissionais (a viúva de João Pedro, Elizabeth Teixeira, faria o seu próprio papel) em torno das lutas contra os latifundiários da região, o que era condizente com a fase mais rural dessa primeira etapa do Cinema Novo. Vindo o Golpe Militar, a produção é interrompida depois de duas semanas de filmagens, com um cerco policial em que parte da equipe é presa sob acusações de atividades subversivas, e o restante se desagrega, com a viúva passando a viver na clandestinidade, sem contato com os familiares, e o projeto do filme sendo cancelado.

A carreira de Coutinho toma então um recomeço, escrevendo roteiros para Leon Hirzman, em A Falecida (idem, 1965), uma das melhores adaptações de Nelson Rodrigues, e de A Garota de Ipanema (idem, 1967), fracasso na época, e parte das comédias feitas na segunda fase do Cinema Novo. Com Hirzman e Marcos Faria funda em 1966 a Saga Filmes, pela qual dirige o segmento “O Pacto”, do longa em episódios ABC do Amor (idem, 1966), e se torna diretor substitutivo de O Homem Que Comprou o Mundo (idem, 1968), sua estréia como realizador de longas-metragens, e sátira política e cômica influenciada por Terra em Transe (idem, 1967). Seu segundo longa, Faustão (idem, 1970), era uma adaptação de Shakespeare para o western em torno do cangaço brasileiro (em que Falstaff torna-se "Faustão"), um pouco na linha dos filmes de Glauber Rocha. Também aparece como ator em pontas de filmes de outros diretores, podendo ser visto em Câncer (1968), do próprio Glauber.

Em 71, afasta-se do cinema para trabalhar como redator e crítico no Jornal do Brasil, retornando quatro anos mais tarde com os roteiros de Os Condenados (idem, 1975), de Zelito Viana, Lição de Amor (idem, 1975), de Eduardo Escorel e Dona Flor e Seus Dois Maridos (idem, 1976), que explodiu nas bilheterias como o maior sucesso da história do cinema brasileiro. Na mesma época, é convidado para o projeto do Globo Repórter, que em seu começo marcou a história da televisão brasileira e seria fundamental para a trajetória de Coutinho. O Globo Repórter recrutou nomes como Paulo Gil Soares, Maurice Capovilla, Joaquim Batista de Andrade, Hermano Penna, Walter Lima Junior e Coutinho e outros ligados ao cinema para a realização de documentários de média-metragem rodados em 16 mm, a maioria tratando da desigualdade social, e com grande liberdade de criação por parte dos realizadores, o que se tornou uma escola para Coutinho assimilar lições do gênero e descobrir sua grande vocação. Dentre os muitos programas que dirigiu, alguns podem ser considerados hoje clássicos brasileiros, como Seis Dias em Ouricuri (idem, 1976), em torno de uma região assolada pela seca, e Teodorico, o Imperador do Sertão (idem, 1978), sobre o coronelismo e o autoritarismo político vigente. Coutinho estava preparado para voltar ao seu começo, e dali o recomeço de sua trajetória no cinema propriamente dito.

Em 81, com a Abertura e a gradual liberdade para se falar de temas políticos e do que ocorreu nos anos de regime, Coutinho reencontra os negativos originais com aquelas duas semanas de filmagens de Cabra Marcado Para Morrer, escondidos por um membro da equipe para que não caíssem em mãos da policia. O cineasta decide retomar o projeto, retornando aos mesmos lugares, procurando as mesmas pessoas que haviam participado das filmagens, deixando que relatassem o que ocorreu com elas naquele tempo todo, e finalmente reencontrando a viúva Elizabeth e acompanhando-a em suas tentativas de achar os filhos, em diferentes pontos do país, na busca de reunir a família perdida do antigo líder assassinado. Cabra Marcado Para Morrer se tornou um filme sem parâmetros em todo o cinema mundial, e um retrato sem paralelo da realidade brasileira abdicando da estrutura jornalística de mera reportagem, permitindo que acompanhemos um filme enquanto ele vai se fazendo, e ao mesmo tempo dando conta do Brasil contemporâneo, e dos vinte anos que separam as duas filmagens, num painel comovente sobre os pobres e o patriarcado e o regime militar, e as consequências deste, as perseguições e confinamentos, a revolta e o medo. Foi a sensação e grande vencedor do primeiro Festival do Rio, e de mais de uma dezena de prêmios pelo mundo, e desde então para muitos um dos dez melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Coutinho encontrara a chave para o seu cinema. Sabia que o documentário puro e simples como costuma ser praticado não atrai muito público, e o quanto o gênero poderia ser expandido em suas potencialidades. Afasta-se do Globo Repórter e dedica-se a documentários em vídeo como os médias-metragens Santa Marta - Duas semanas no morro (idem, 1987) e Boca de Lixo (idem, 1993) em torno de habitantes de regiões periféricas e marginalizas dos grandes centros urbanos. Entre os dois, realiza O Fio da Memória (idem, 1991), sobre a população negra brasileira, em virtude do centenário da abolição da escravatura, e focado na figura do artista popular Gabriel Joaquim dos Santos.

A sua filmografia atinge uma espécie de plenitude a partir de Santo Forte (idem, 1999), registro do misticismo e de crentes de religiões católicas, evangélicas e umbandistas, Babilônia 2000 (idem, 2000), os preparativos de uma festa de virada de ano próxima do fim do milênio passado, no morro da Babilônia, na cidade do Rio de Janeiro, e as expectativas de seus moradores quanto ao futuro, e sobretudo, Edifício Máster (idem, 2002), em que colhe depoimentos e relatos dos residentes do prédio do título. O procedimento era invariavelmente o mesmo: a vontade de ir ao encontro de todo tipo de histórias, como curiosidade e interesse pelos seres, sejam eles da classe ou cultura que fossem, e deixá-los à vontade para se expressar e falarem, e contar estas histórias e vidas, que inevitavelmente caíam ou passavam pela tragédia, mas também pela alegria da existência, e igualmente da superação e/ou transformação. De isso tudo extrai uma humanidade e grande abundância de tipos e complexidades, aos quais confere uma dimensão excepcional sem negar-lhes o mistério que é a vida de cada um, e sem a demagogia de, ao tratar de classes desfavorecidas, simplesmente estabelecer uma denúncia e passar a mão na cabeça de todos, ou a poesia forçada e inconvincente. Os filmes de Coutinho deixam que a beleza brote por si só a partir das pessoas que se convertem em personagens, e dos personagens que sem esforço enxergamos como tão humanos.

Para tanto, dava grande atenção à forma cinematográfica, e também com as fronteiras da encenação (Jogo de Cena [idem, 2007]) e do filme-ensaio (Moscou [idem, 2009], seu trabalho mais radical e desafiador), fazendo com que as vozes e as imagens em conjunto constituam num efeito primoroso, e sua obra numa experiência sempre em expansão. Experimentou ainda uma colagem com trechos banais e aleatórios exibidos na televisão brasileira como reflexão do absurdo que o imaginário cotidiano transmitido pelos aparelhos de TV possui no dia-a-dia de todos nós, Um Dia na Vida (idem, 2010), jamais lançado comercialmente em qualquer formato, e apenas visto em exibições clandestinas sem qualquer divulgação pública, pela impossibilidade de se arcar com os custos dos direitos de imagens das cenas reutilizadas. Seu último filme lançado foi As Canções (idem, 2011), em que pessoas comuns cantam músicas que foram importantes em suas vidas. Um filme sobre performances, como vários outros recentes de Coutinho. Conta-se que havia finalizado as filmagens de um outro trabalho, As Palavras, sobre adolescentes do ensino médio de escolas públicas cariocas, cuja montagem iniciaria em abril (cabendo agora a sua finalização ao produtor executivo do longa e também documentarista João Moreira Salles). Um realizador que nos deixa com a certeza do dever cumprido em seu cinema, de quem fez bastante nessa existência, mas que parte antes do tempo, pois parecia capaz de muito ainda por criar. Eduardo Coutinho foi um artista de ideias e disposição inesgotáveis.   

Filmografia

Título Prêmios Ano Notas
Jogo de Cena
Entrevistador
2007
8,3
8,4
1999
7,5
2008
7,3
2008
Canções, As
Ele mesmo / Entrevistador (voz)
2011
8,3
Coutinho Repórter
Ele mesmo
2011
2013
2014
2014
Últimas Conversas
Ele mesmo
2015
2008
Banquete Coutinho
Ele mesmo
2019
1972
Título Prêmios Ano Notas
Edifício Master
Roteirista
2002
8,4
8,3
1976
6,8
Jogo de Cena
Roteirista
2007
8,3
8,4
1985
9,0
8,6
Santo Forte
Roteirista
1999
7,5
Lição de Amor
Roteirista
1975
Dia na Vida, Um
Roteirista
2010
Moscou
Roteirista
2008
1968
1982
Falecida, A
escritor
1965
7,9
2006
7,8
Canções, As
Roteirista
2011
8,3
Peões
Roteirista
2004
Babilônia 2000
Roteirista
2001
7,4
Boca de Lixo
Roteirista
1993
7,5
1978
7,4
1987
7,5
Faustão
roteiro e história
1971
1976
Fio da Memória, O
Roteirista
1991
ABC do Amor
segmento 'o pacto'
1967
Mulheres no Front
Roteirista
1996
1989
Seis Histórias
Roteirista
1995
1994
2014
2014
Condenados, Os
Roteirista
1975
Últimas Conversas
Roteirista
2015
Garota de Ipanema
Roteirista
1967