As Melhores Coisas do Mundo revelou-se a mais recente, importante e desafiadora incursão do Cinema Brasileiro no universo adolescente. A cineasta Laís Bodanzky nos presenteia com um filme que não se preocupa apenas em explorar a figura do adolescente como um pacote de clichês caindo de pára-quedas nas telas. A estória de Mano é um estudo sincero dessa fase tão polêmica para adultos, pais e, sobretudo, para os próprios adolescentes.
Mano é o protagonista do longa baseado em , mas nem por isso brilha sozinho. O desenvolvimento individualizado e profundo dos dilemas de todos os que estão ao seu redor daria um novo filme para cada um dos demais personagens, tamanha a riqueza dos temas retratados na tela. Os pequenos fragmentos desses dramas fazem do longa uma colcha de retalhos incrivelmente bem construída e rica sobre a concepção da juventude, sobre a intolerância, sobre a relação entre pais e filhos, sobre o relacionamento nas escolas, sobre o amor adolescente, sobre a influência da tecnologia nas relações e etc, etc, etc...
Para retratar tamanha gama temática e tratar de muita coisa e num tempo muito curto, as imagens são essenciais e também se revelam o grande trunfo do filme. Simbólicas e muito bem construídas, há exemplos vários de sua utilidade na trama, mas vejamos alguns deles apenas: a mudança de postura da câmera invasiva que filma todas as curvas da prostituta, mas que se esquiva de encarar o contato entre os corpos de Mano transando com a "mulher certa". Outro exemplo é a observância pontual do processo de amadurecimento do protagonista, percebendo que vale mais ser um guitarrista começando a conquistar o controle do próprio mundo do que viver se projetando em platéias imaginárias de telas em paredes, como no inicio do filme. Não são poucas as imagens que constroem, marcam e organizam, junto com a trilha sonora, a organicidade dos acontecimentos do universo adolescente retratado nas telonas.
O filme é definitivamente uma mostra sincera do adolescente da classe média de hoje e uma aposta de sucesso comercial de um Cinema nacional que esqueceu dos jovens para investir na “estética da pobreza” por mais tempo do que devia. Porém, diante de tamanho desafio e sucesso, o filme tem problemas que não podem passar despercebidos. Na ânsia de trazer a adolescência em toda a sua extensão para a tela, falta ao roteiro dar atenção a algumas questões. Beber e fumar para se auto-afirmar num grupo, para se mostrar maduro para uma garota, desconfiar do melhor amigo e não dar a chance dele se defender são situações que trazem um ar de irresponsabilidade, falta de personalidade e impunidade para a juventude, revelando uma generalização que um filme tão bem feito como este não deveria abarcar. Falta ao filme discutir determinadas questões, ao invés de colocá-las apenas na tela, coisas que muitas vezes faz, mas de um modo inconveniente cômico. Em momentos-chave, como na discussão sobre a homossexualidade do pai, o viés cômico dado nos diálogos afoga qualquer esperança de dar a devida seriedade a temas que precisam começar a ser tratados com mais vigor entre os jovens, e por que não ser um filme voltado para a juventude a dar o primeiro passo? Ainda que desperte para algumas questões, como com o personagem do Deco que considera certas meninas vagabundas e fazem arquivos para fotos, isso surge mais como um momento insignificante ou passageiro do que como uma critica, o que ajuda a banalizar ainda mais o ideal do relacionamento de hoje tão calejado com os conceitos de “ficar” e “dar uns pegas”.
Contribuir para nortear o jovem que prestigiou o longa é uma preocupação que faltou ao filme. A busca do filme não precisaria ser a de doutrinar o espectador, mas sim de entender seu próprio papel de formador de opinião e usá-lo de um modo mais incisivo e decisivo até. Ser jovem não é ser alienado, não é esquecer o valor do conhecimento, das oportunidades de crescer. Ser jovem está muito mais relacionado a uma característica voltada a relativa incapacidade de não analisar a relação entre causa e efeito com a facilidade que a experiência de uma vida adulta e exigente dá do que ser alguém incompreensível quando fora do seu mundo.
Quanto aos adultos representados, há de se falar da figura da personagem de Denise Fraga que apesar de importantíssima para o desenvolver da trama, surge na tela com ares de preocupação a tempo todo, num mundo trágico e decepcionante que serve apenas para “demonizar” a imagem do adulto, resumido a uma unidimensionalidade bruta e inverídica de um humano infeliz que carrega um mundo nas costas e se tornou uma máquina de resolver problemas no momento em que envelheceu. Numa contra-mão, o personagem de Caio Blat, que poderia ser um exemplo de equilíbrio entre o legado de uma juventude sadia, vivida intensamente e uma maturidade construída sem traumas, se mostra muito descolado encarnando a figura de um professor que em busca de ser visto como um cara bacana entre os alunos, não faz chamada e permite que as provas sejam feitas com consulta aos livros.
Por outro lado, mesmo com as omissões e algumas falhas, o filme se sai explendorosamente bem ao criticar com firmeza o senso panoptico que leva os adolescentes viverem numa bolha, perseguidos pelas fofocas e pela tecnologia a serviço da noticia. O longa desperta, portanto, para um novo sentido da tecnologia nas mãos de uma juventude que vive um período consumido pelo interesse pela vida alheia, pela velocidade da noticia, pela mensagem instantânea e pela obsessão de estar antenado no mundo. O desafio de aprender a viver com tudo isso é uma das propostas claras do filme. Elenco competente, bem preparado e apoiado por uma caracterização interessante, traz Gabriela Rocha e o estreante Francisco Miguez como mais um dos grandes acertos do filme.
É uma pena, porém, sentar-se na poltrona e assistir a jovens encarando o filme como a oportunidade de ver Fiuk sem camisa (que também está muito bem em cena trazendo os conflitos amorosos e sua extensa importância na adolescência), pois “As Melhores Coisas do Mundo” que pode ser visto como um pontapé inicial para discussões não só em sala de aula, mas nas rodas entre amigos, se tornará um passatempo fútil, coisa que o filme não está interessado em ser.
Por fim, cabe dizer que, “As Melhores Coisas do Mundo” é um exemplar nacional de um filme que pode marcar uma geração assim como, em outras proporções e contextos, fizeram “Conta Comigo”, “A Cura”, “Curtindo A Vida Adoidado” e outros que assinalaram o modo de ser de outras gerações. Certamente, será prestigiado, sobretudo pelos jovens, como um filme super-hiper-mega-foda-fofo-divertido-inteligente-bacana...
Por que? Infelizmente, nem todos eles saberão responder...
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