“Joey não há como viver com a matança. Não há como eu voltar. Certo ou errado, é uma marca, e uma marca fica em você. Não há como voltar. Agora, vá até sua mãe e diga que tudo está bem. E que não há mais armas no Vale.”
“Os Brutos Também Amam” ou “Shane”, de 1953, dirigido pelo George Stevens é um western (ou faroeste) que foi bem à frente de seu tempo. Visionário de certa forma, pois se dispôs ao exercício de desconstruir um gênero em meio à sua Era de Ouro.
Essa desconstrução que está em cada aspecto da obra começa pelo “Mito do Pistoleiro”.
Ao conhecermos o protagonista, Shane, vemos que apesar de sua ambiguidade e passado incerto é o oposto do arquétipo dos heróis de westerns. Ele não é do tipo “durão”, é um sujeito idealista, calmo, paciente, contido e acima de tudo amável.
Ele é alguém que sempre tenta fugir da violência, tendo ela apenas como último recurso para ser usada somente quando necessária. Essa característica é transposta no personagem quando o vemos constantemente desarmado, ao contrário dos clássicos “cowboys” que sempre exibem suas armas para demonstrar sua afinidade pela brutalidade, poder e virilidade.
Vemos também que a violência causada ou sofrida por Shane traumatizou o personagem, o fazendo ficar em constante estado de alerta e pronto para um possível combate.
O pequeno Joey, filho da Família Starrett, cria muitas expectativas em cima de Shane ao vê-lo como um típico pistoleiro, querendo ver todo seu potencial como um “herói” e sendo constantemente frustrado pelo mesmo. O garoto representa a própria audiência do filme, tendo toda e qualquer expectativa subvertida.
A relação do protagonista com a família que conhece no começo da trama é de amizade e admiração, contemplando algo que nunca poderia ter.
Alan Ladd dá uma performance tocante e cativante como Shane.
Outro aspecto de desconstrução é como a violência é vista e tratada nos filmes westerns. Geralmente, vemos a violência nos filmes como entretenimento, a brutalidade é retratada como uma glória e até mera diversão. Porém, esse não é o caso de Shane, aqui a violência é vista como algo sombrio, sórdido e sujo, que está sempre à espreita.
Esse é um western que vai causar estranhamento nos expectadores, pois quase não temos ação durante o filme, mas o sentimento de tensão é constante, o medo de algum conflito explodir nos segue a todo momento.
No filme temos dois tipos de violência. Uma delas retratada na típica “briga de saloon”, vista como algo inocente, animado e que não ameaça a vida de ninguém.
Já a outra, é vista no último terço do filme, mostrada de forma crua, bruta e silenciosa a princípio, mas que explode com o som estridente e atordoante de uma arma disparando.
Um último aspecto de desconstrução, para mim o mais importante, é a relação e as marcas que a violência deixa nos personagens.
Apesar da vitória no último conflito, a situação deixa a Shane e a nós expectadores uma sensação de derrota e perda. E de fato foi. Shane cruzou uma linha que não queria e percebe que não importa para onde vá ou o que faça, a violência vai sempre o seguir.
É deixado claro que tirar vidas não é algo glorioso e que consegue arruinar até mesmo aqueles que sobrevivem. Os que optam pelo caminho da violência nunca terão um final feliz.
Isso é claramente mostrado na cena final com Shane deixando o vilarejo cavalgando por entre um cemitério no meio da noite.
Esse é um dos westerns mais aclamados de todos os tempos e foi o que ajudou a moldar o gênero nas décadas seguintes, um clássico do Cinema de Faroeste.
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