Existe um velho ditado que quando a coisa aperta, conseguimos então nos desvencilhar das amarras que nos fazem não seguir em frente para mudarmos de vida, ou então para alcançarmos os nossos mais simples objetivos. Quando Ferrugem e Osso se inicia, somos apresentados a dois personagens sem paixão, ou desprovidos de sentimentos e que passa a sensação de que não estão nem ai para com eles mesmos. É preciso algo que aperte ambos, que os faça sentir serem humanos novamente, nem que para isso quase custe à vida de um deles.
No mais novo filme do cineasta francês Jacques Audiard (O Profeta) ele nos joga numa realidade onde as pessoas buscam um sentido na vida, ou pelo menos um caminho para que voltem a sentir amor pelo próximo e também consigo mesmo. Stéphanie (Marion Cotillard numa interpretação espetacular) é uma treinadora de orcas, que embora seja especialista no assunto, aparenta não mais sentir paixão pelo que faz. Durante uma apresentação, ela sofre um grave acidente, que há faz perder as pernas e cair numa depressão profunda.
Dias antes, ela havia conhecido Alain (Matthias Schoenaerts), segurança de uma boate onde ela estava. Alain é divorciado, vive de bicos e precisa cuidar do seu pequeno filho que não sabe direito como amá-lo. Após meses sem se verem, Stéphanie decide reencontrá-lo, para que ele possa ajudá-la a ter os seus primeiros dias de saída após o trágico evento que ela teve.
A partir do momento que ambos começam a se encontrarem, esperasse uma espécie de formação de palco para o inicio de um romance, mas não é bem assim que as coisas acontecem: ambos a principio são frios um com o outro, mas Stéphanie é que da os primeiros passos em voltar saber o que é viver. Já Alain possui certa dificuldade ou até mesmo medo em tentar se relacionar com outras mulheres, Ele se sente somente seguro com elas ao praticar sexo sem amor algum, para então sempre se sentir-se livre, mas ao mesmo tempo sem rumo e com nenhum objetivo na vida.
Por incrível que pareça, Stéphanie se torna uma espécie de força de exemplo maior para Alain seguir, principalmente no momento em que ela usa próteses e começa a praticar os seus primeiros passos. Isso faz com que ele volte a praticar o que ele sempre sabia fazer de melhor: lutas de vale tudo, onde ele sempre saia como vencedor e começa a lutar em brigas ilegais para ganhar um bom dinheiro. Um se torna a força matriz do outro e vice versa.
Assim como em O Profeta, Jacques Audiard cria com esses dois personagens, uma analise sobre o comportamento humano contemporâneo perante aos obstáculos e consigo mesmo. Na realidade tentar se domar e desvencilhar de pensamentos que antes o faziam pessoas frias, talvez seja tão difícil quanto superar um acidente traumático, que aqui no caso, o evento fatídico faz com que Stéphanie volte a sentir o que é realmente viver: a cena em que ela volta ao seu local de trabalho e se reencontra com uma orca no aquário, não só faz com que ela volte a sentir os velhos hábitos com gosto, como também faz as pazes consigo mesma, numa cena poética e desde já uma das melhores do ano.
O ato final da trama é dedicado mais ao próprio Alain, que da pior maneira possível, acaba se dando conta que num mundo frio como esse, em que a vida pode sem querer acabar de uma forma tão estúpida, é preciso num determinado momento do trajeto procurar por aqueles que ainda se importam com ele. Mesmo quando ele deu todos os motivos errados para que as pessoas que ele gostava se afastassem. O titulo Ferrugem e Osso no final das contas, tem haver com aquele gosto amargo que a pessoa sente na boca após um determinado fracasso, mas basta abaixar a guarda para a pessoa certa, para que ele volte então sentir o lado doce da vida.
Singelo, poético e cheio de significados, Ferrugem e Osso é aquele tipo de filme que você sai do cinema com um gosto bom na boca de querer mais e de desejar ter a mesma força de vontade que os protagonistas tiveram durante a trama. Desde já, um dos melhores filmes do ano.
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