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Sons of Anarchy

- por Bruno Marise

Elaborar uma sinopse é uma das tarefas mais complicadas para quem trabalha com comunicação, ou simplesmente para quem quer indicar uma novidade a um conhecido. Quando falamos de séries, é mais complicado ainda. Como é possível definir em poucas palavras uma história tão longa, que têm tantas mudanças, é tão abrangente e tão diversificada? Uma sinopse equivocada pode criar expectativas falsas ou até mesmo afastar determinado público. Quer ver? Como geralmente Sons Of Anarchy é descrita? "Uma série de ação sobre uma gangue de motoqueiros". Bem, reduzir toda a qualidade de SOA a isso é de uma injustiça enorme, mas vamos lá. Apesar de essa descrição não ser irreal, ela cria uma imagem muito simplificada e estigmatizada que a série não merece. Sim, a ação está presente, em doses cavalares, mas ela jamais é desnecessária e sua presença se justifica para dar ainda mais tempero ao dramático cenário em que toda a história se desenrola. Por isso, se você pretende encontrar em Sons Of Anarchy uma boa série de ação, não vai se decepcionar, mas prepare-se para uma jornada muito mais profunda e chocante.

Finalmente, vamos para Charming. A fictícia cidade californiana abriga o "Sons Of Anarchy" – ou SAMCRO, abreviação de Sons Of Anarchy Motorcycle Club Redwood Original - um clube de motociclistas fundado nos anos 70 por veteranos da Guerra do Vietnã. Muito mais que apenas um grupo de amigos entusiastas de Harleys. Uma verdadeira irmandade, recheada de leis, códigos de honra, regras, hierarquia e política. A atividade do motoclube está tão intrínseca na história da cidade que as autoridades acabaram entrando em acordo com os Sons: Fariam vista grossa para suas atividades ilícitas em troca de proteção contra investidores e interesseiros de fora, mantendo intacta a tradição local. Por trás desse cenário, encontra-se a trama assumidamente Shakesperiana da série. O jovem Jax (Charlie Hunnam) é o vice-presidente do clube e filho de John Teller, membro fundador e morto de forma suspeita em um acidente. Sua mãe, Gemma (atuação monstruosa de Katey Segal), casou-se com o presidente e também fundador, Clay Morrow (Ron Perlman), após a morte de John. Bem, para ter uma noção de como o plot principal de Sons Of Anarchy se desenvolve, é preciso entender o que acontece na primeira temporada. Não se preocupe, não haverá spoilers.

Logo no primeiro episódio, Wendy, a ex-esposa grávida e viciada de Jax sofre uma overdose de heroína e é levada às pressas ao hospital para realizar uma cesária de emergência, dando a luz prematuramente. Enquanto isso, Jax encontra um velho diário de seu pai, e lendo descobre que seu objetivo era de manter o clube na legalidade, sendo contra o envolvimento com o tráfico de armas. A médica Tara, uma ex-namorada de Jax está de volta à cidade, e acaba sendo a responsável por salvar a vida de seu filho, Abel. Esse incidente reata o relacionamento de Tara e Jax, e aí está o ponto-chave da primeira temporada, que será o fio condutor de toda a trama: Sabendo das reais intenções de seu pai e agora envolvido com Tara e com a responsabilidade de criar seu filho, Jax entra em um dilema e passa a questionar as atitudes do ganancioso Clay, pressionando-o para tirar o clube do negócio de armas.

A jornada de Jax pelas sete temporadas remete à história de Michael Corleone na trilogia O Poderoso Chefão. É a mesma cruzada do filho jovem, inicialmente bem-intencionado, que acaba envolvido e embriagado pelo poder, e quanto mais tenta se afastar da violência e da vida criminosa, mais se afunda em uma pilha de cadáveres, tornando-se um sujeito altamente paranoico, instável, frio e imprevisível. A transformação das personagens ao longo da série é assustadora e um dos maiores destaques de Sons Of Anarchy. O elenco, no geral é bastante qualificado. Charlie Hunnam, que até então era famoso pelo papel de Pete Dunham no filme cult Hooligans, apesar de não ser brilhante, incorporou de maneira bastante convincente o herdeiro dos Sons, contribuindo para a transformação da personagem ao longo das temporadas. É bom demais ver Ron Perlman, conhecido apenas por papéis secundários e por suas interpretações de monstros (Não que o Clay não seja), finalmente ter o destaque e provar que é um ator excelente. As participações especiais foram cirúrgicas e conseguiram dar um ar ainda mais cool para a série. Um trabalho brilhante de casting. Tem coisa mais genial do que ver Peter Weller, o Robocop original interpretando um policial corrupto? Ou Mitch Pileggi, o diretor Skinner de Arquivo X na pele de um líder supremacista branco? E ainda temos as aparições de Walton Goggins (The Shield, Justified), Danny Trejo, Stephen King, os músicos Dave Navarro, Henry Rollins, Marylin Manson e Courtney Love e até de Sonny Barger, ex-presidente dos Hell’s Angels, o motoclube mais famoso da história.

Impossível falar de SOA sem citar uma de suas maiores forças: A trilha sonora. A série definitivamente não seria a mesma sem as músicas brilhantemente escolhidas e encaixadas nos momentos exatos. Impressionante como as cenas ganham força e as letras, por mais que não sejam feitas originalmente para a série, casam perfeitamente com o momento. Apesar de a trilha nos presentear com maravilhas do naipe de Monster Magnet, Social Distortion, Alice Cooper, Fu Manchu, Turbonegro e Nine Inch Nails, o maior destaque são as versões feitas pela banda The Forest Rangers, criada especialmente para a série e que interpreta a música-tema, “This Life” de autoria do compositor Curtis Stigers. O melhor momento, porém, é a versão melancólica e belíssima de “Bohemian Rhapsody” do Queen, que embala uma das cenas mais fortes e marcantes da série, logo no começo da sétima temporada.

Mesmo tendo uma trama principal bastante complexa, conflitos morais, ação frenética e várias reviravoltas, o verdadeiro protagonista da série é o próprio clube. Tudo gira em torno dele, e sabendo disso, Kurt Sutter não o renegou a apenas um pano de fundo para o desenrolar da história. Ficamos conhecendo todos os códigos, política e regras dos motoclubes, e a parte política por trás deles. Um dos grandes trunfos de Sons Of Anarchy foi saber dosar o dia-a-dia do MC com os conflitos pessoais de cada personagem e isso a torna um excelente drama e uma ótima série policial, na mesma medida. Ao mesmo tempo em que existe uma carga emocional pesadíssima, também é possível se divertir acompanhando os conflitos do SAMCRO com cartéis de drogas, clubes rivais, gangues de rua e até o IRA (Exército Republicano Irlandês).
 
É importante destacar o trabalho de Kurt Sutter como showrunner. Além de criador e produtor, Sutter também foi diretor, roteirista e ator, assumindo o papel de Otto Delaney, um membro encarcerado do clube. O cara já havia mostrado a que veio como produtor da já clássica The Shield, e pôde provar de vez seu talento a frente de Sons Of Anarchy. Um de seus maiores acertos foi ter delimitado a história e não estendido a série por conta de audiência ou grana. Muitas séries acabam se perdendo por ganância da emissora ou de seus próprios produtores, e fica claro que continuam no ar apenas para encher os cofres, enquanto o seu valor artístico é perdido completamente. Ter o processo criativo e a produção sob controle também foi essencial para que SOA não decaísse de nível em seus sete anos de transmissão. Sutter conseguiu diluir o plot central ao mesmo tempo em que criava um enredo específico para cada temporada, sempre ligando os pontos. O ritmo também é preciso. Quem se acostumar com o a ação desenfreada das duas primeiras temporadas, pode achar as seguintes um pouco maçantes, mas essa “tirada no pé” é fundamental para a construção do clímax gerado no final de cada temporada. E acredite: Todo season finale vai te deixar sem alma. A premissa de humanizar as personagens e fugir do maniqueísmo foi vital para que a série não caísse no estigma de ação pura e descerebrada. Todos têm conflitos, e não existe mocinho e bandido: Os oficiais da Lei são tão sujos e corruptos quanto qualquer suposto criminoso. Uma das maiores heranças que Sutter trouxe de The Shield.

A series finale de Sons Of Anarchy foi ao ar no dia 9 de dezembro de 2014, e logo que deixou de existir, a série entrou para a história. Foi a mais assistida do canal FX, superando sucessos como The Shield e Nip/Tuck. Apesar de bem recebida por público e crítica, acabou ofuscada por conta do da grande concorrência e um período de boas séries em abundância no mercado, mas sem dúvida criou um público bastante fiel e apaixonado pela história do Ripper, e será lembrada em alguns anos como uma verdadeira obra-prima. SOA também foi importante por revelar Kurt Sutter como um showrunner talentoso e extremamente ousado. O mesmo já declarou que pretende fazer um prequel de Sons Of Anarchy, contando as origens do clube nos anos 70. Toda torcida e apoio para o cara, e que continue nos presenteando com séries de extrema qualidade. SOA mal acabou e já deixa saudades.

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