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Pânico VI

(Scream VI, 2023)
5,5
Média
53 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Ghostface vai a Nova York

3,0

Um dos primeiros indícios que uma franquia de terror está se esgotando em ideias para novos filmes é a mudança radical de cenário. Para atrair o público na promessa de expandir a história com mais violência, mais mortes e mais reviravoltas, o palco precisa ser naturalmente maior. Se o reboot da franquia Pânico parte da cidade de origem do filme original, a fictícia Woodsboro, seu segundo episódio (ou sexto, se pensarmos numa única linha de tempo desde o filme de 1996) já apresenta sinais de cansaço e por isso arrisca tudo ao se deslocar para Nova York, assim como partiu para Los Angeles no terceiro episódio da quadrilogia de Wes Craven. A ideia não deixa de ser tentadora: como seria Ghostface perseguindo e atacando numa megalópole moderna e com tantas possibilidades de novas configurações de espaços, longe dos cenários provincianos? Pânico VI (Scream VI, 2023) poderia nos dar essa resposta, mas acaba ficando no meio do caminho.

Muitas intenções nascem e morrem ao longo da projeção, de forma que podemos pensar que talvez a metalinguagem desse novo episódio é ainda mais elevada, com os dois diretores matando suas próprias premissas ao invés de focarem em matar as vítimas do Ghostface. Por exemplo, no início do filme, um assassino (não o Ghostface, não se preocupe que não darei spoilers) explica sua sensação ao matar: na primeira facada, com a vítima ainda viva, compreende que está atacando um ser humano. Mas depois, conforme o coitado vai se esvaindo em sangue, passa a enxergá-lo como um animal, inumano, desprovido de qualquer característica identificável em sua espécie. Se insinua aqui um primeiro insight metalinguístico, sobre a banalização da violência na cultura pop, calejando gerações de espectadores, que acabam indiferentes ao sofrimento humano por conta da influência de filmes como o próprio Pânico VI. Mas isso nunca é retomado.

Dei apenas um exemplo para mostrar que esse novo filme padece do mesmo mal que seu antecessor: não há de fato um roteiro coerente, como havia quando Kevin Williamson era roteirista da franquia. A impressão que passa é que os diretores têm várias ideias com potencial, começam a trabalhar nelas, mas em algum ponto elas são deixadas no caminho e nunca mais são lembradas. Arcos não se fecham, personagens sem sentido, nostalgia fora de lugar, gente que sobrevive mesmo que esfaqueada brutalmente e a maldição de ser um filme comandado por fãs que têm uma ligação prejudicial com primeiros filmes, uma proximidade que cega e puxa para um terreno de puro fanservice e sem qualquer critério profissional. Personagens originais de Williamson, como Gale Weathers (Courteney Cox) e Kirby Reed (Hayden Panettiere), por exemplo, estão ali como meras figuras decorativas, soltando frases autorreferenciais engraçadinhas, inseridas de maneira forçada na história. Kirby, inclusive, é morta pelo Ghostface no quarto filme. Os fãs sempre manifestaram em redes sociais seu descontentamento com a morte dela. O que Gillett e Bettinelli-Olpin fazem então? Inventam que na verdade ela não morreu e dão um jeito de forçar uma participação dela nesse novo filme. Em resumo: fanservice – e dos mais rasteiros.

Mas talvez você se pergunte por que de tanta cobrança, de tanta amargura. Afinal, filmes de terror de franquias slasher como essa são sempre cheios desses furos, de retorno de personagens que já morreram e outros absurdos que a gente finge que não vê e põe a culpa na licença poética. A questão é que Pânico sempre teve uma preocupação com um acabamento mais sofisticado, por assim dizer. Diferente de vilões como Jason Vorhees, Freddy Krueger e Michael Myers, que são sobrenaturais e imortais e por isso voltam sempre filme após filme atrás de jovens aleatórios, sem qualquer critério de escolha, os Ghostfaces são serial killers, pessoas reais disfarçadas por uma máscara de Halloween e que sempre carregam uma motivação específica para promover suas chacinas. Depois de seis filmes, por mais boa vontade que tenhamos, já está mais do que desgastada a história de uma pessoa mascarada e armada de uma faca querendo se vingar de Sidney Prescott por algum motivo muito bizarro – ainda que essa sina agora esteja assombrando as duas novas protagonistas e não mais a mocinha vivida por Neve Campbell, que sabiamente escolheu deixar a franquia.

A passagem de coroa para essa nova geração de personagens não foi das mais felizes. Trocamos Sidney, Gale, Dewey, Randy e outros para dar lugar às irmãs Carpenter (Melissa Barrera e Jenna Ortega) e aos irmãos Meeks-Martin (Jasmin Savoy-Brown e Mason Gooding). Se antes havia um equilíbrio muito natural nas personalidades de cada personagem, em especial as final girls Sidney Prescott e Gale Weathers, sendo uma a mocinha tradicional e a outra uma coprotagonista mais amoral e cômica, agora tudo está nas mãos de duas irmãs insonsas, vividas por atrizes de pouco carisma, que mal apresentam algum contraste para gerar uma dinâmica interessante. Muitos ali sequer parecem de fato personagens bem estruturados, mas sim meros joguetes de roteiro cumprindo funções específicas para a história poder avançar ou soltando frases de efeito autorreferenciais legalzinhas para tapear os fãs. Da mesma forma, a marca registrada da franquia, que são as elaboradas perseguições, os famosos jogos de cena tão bem arquitetados por Craven para a brincadeira de esconde-esconde entre assassino e vítima, são trocadas por sequencias de ataque e morte sem qualquer preparação de terreno, repentinas demais, sem que se crie a gostosa sensação de perigo que precede a morte em si.

Pânico VI é um filme de meio de trilogia, uma posição sempre injusta, ainda mais nessa função de desmamar o público do elenco/personagens originais para se firmar de uma vez por todas no núcleo de novos protagonistas. A mudança para Nova York poderia até ser uma boa saída para reforçar a transição, mas os novos cenários não trazem nada de muito diferente do que já vimos nos filmes anteriores, dada a falta de habilidade dos diretores no aproveitamento de espaços. Não adianta mirar no novo se ainda estão calcados na idolatria pelo nostálgico. Aumentar o grau de violência e sadismo não é necessariamente expandir alguma coisa, pular direto para os extremos não compensa a falta do básico bem-feito no meio do caminho. As cenas patéticas do fantasma de Billy Loomis assombrando a irmã mais velha estão aí para provar que o cordão umbilical não foi cortado e, aí sim um insight metalinguístico involuntário, quem são assombrados por esse passado são eles mesmos. Quando Jason Vorhees foi para a cidade grande, em Sexta-Feira 13 - Parte 8: Jason Ataca em Nova York (Friday the 13th Part VIII: Jason Takes Manhattan, 1989), ou quando T-Rex acabou indo parar em Los Angeles, em O Mundo Perdido: Jurassic Park (The Lost World: Jurassic Park, 1997), a conclusão foi a mesma para todos: essa franquia já deu o que tinha que dar. Já que gostam tanto de olhar para trás, Gillett e Bettinelli-Olpin bem que poderiam lembrar disso também.

Comentários (5)

André Araujo | sexta-feira, 10 de Março de 2023 - 00:04

Eita...e até gostei do último.

Alan Nina | domingo, 12 de Março de 2023 - 14:05

Só discordo que as irmãs não tenham carisma. Eu as acho ótimas

Alexandre Koball | segunda-feira, 29 de Maio de 2023 - 12:43

Assisti ontem, a questão para o próximo certamente será: quem NÃO é o assassino?

Matheus Gomes | quarta-feira, 14 de Junho de 2023 - 23:27

Vamos ser sinceros: essa franquia deixou de fazer sentido faz tempo.

Alexandre Koball | quinta-feira, 15 de Junho de 2023 - 14:42

Pra mim a partir do segunda já, kkkk.

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