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Aftersun

(Aftersun, 2022)
8,0
Média
84 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Memórias ressonantes em zoom in.

9,5

Certos filmes parecem nos avisar, ao longo de suas sequências iniciais, que nós o assistiremos muitas outras vezes, que aquela vez será apenas a primeira. Isso normalmente ocorre com filmes visualmente contemplativos, repletos de planos sensoriais e diálogos sugestivos, em que os sentimentos conflitantes nos lembram da complexidade humana. Somos fisgados, principalmente, pela inquietação daquilo nos personagens que, talvez, jamais seja possível decifrar. Revemos o filme numa tentativa de capturar algo ainda não compreendido ou buscar novos significados para o que já foi visto.

Aftersun (2022) é esse tipo de filme que vemos com um sentimento de que em breve estaremos ali de volta, de que não foi o suficiente ver uma vez só. É preciso voltar para sentir de novo, para entender de novo. Fazer como o personagem Calum (Paul Mescal, indicado ao Oscar 2023 de melhor ator) quando revê as filmagens recém-feitas de sua filha, Sophie (Frankie Corio), na câmera portátil. Retornar ao instante a partir da memória.

O longa de estreia da diretora e roteirista escocesa Charlotte Wells fala sobre a relação entre um jovem pai e sua filha de onze anos em alguns dias de férias num resort na Turquia. Em algumas entrevistas, a cineasta revela que Aftersun é parcialmente baseado na sua relação com o pai. Seu processo de escrita buscou lembranças gravadas na memória, embora muitas tenham o aspecto de lapsos, de imagens quase esquecidas que se iluminavam repentinamente ao longo da escrita.

Essa atmosfera, entre recordações turvas e quase distantes, acompanha também a estética do filme. Somos envolvidos em uma bela fotografia de um verão mediterrâneo nos anos 90. Pai e filha percorrem os dias pegando sol, olhando o céu e tomando bebidas coloridas. Há nesses momentos não somente a contemplação prolongada e silenciosa do ócio das férias, mas a presença insistente de alguns sentimentos desses personagens ainda inacessíveis ao espectador.

Pai e filha se dão bem, brincam juntos, mais parecem irmãos. Há, contudo, momentos nos diálogos em que o acesso à intimidade é restrito. Calum muitas vezes se desvia do assunto, se isola. Esteticamente, Aftersun apresenta isso com recursos de desfoque ou distanciamentos físicos, quando pai e filha ocupam diferentes espaços. Noutros momentos, somos jogados para cenas que lembram recortes de memória (do Calum ou da Sophie?), como aquela em que Calum dança sob flashes de luzes. É quase difícil decifrar o que acontece na cena, embora este seja o objetivo: indicar o distanciamento, o quase inacesso a certos aspectos do outro – por mais próximos que sejamos desse outro.

De modo sutil, a trama de Aftersun apresenta elementos que sugerem os desafios pessoais desse pai. Calum lê diversos livros sobre meditação, pratica tai chi chuan, faz o possível para ser o melhor pai possível para Sophie. Porém, compreendemos em seu silêncio e isolamento, nas expressões faciais e na linguagem corporal, que se esforça para não explicitar a sua luta contra a depressão.

Sophie é nova, não entende o que acontece com o pai. Sente, contudo, que algo não está certo. Ao filmá-lo com a câmera portátil dos anos 90, Sophie opera o zoom in sobre a imagem dele em silêncio. Tenta acessar algo a partir do dispositivo. Ela brinca com o pai, move a câmera na mão enquanto vemos a imagem dele em zoom sair do quadro e depois voltar. Sob o ponto de vista de Sophie, indagamos como Calum se sente, o que acontece quando o perdemos de vista.

As imagens da câmera portátil são um recurso que aproxima essa relação familiar ao longo de toda a narrativa. Ela abre e fecha o filme, elabora diálogos entre os personagens – mais parece um terceiro personagem. Sophie e Calum se olham por meio das imagens produzidas pela câmera. Imagens que, por meio dos ruídos, desfoques e falhas digitais, indicam ao espectador esse mesmo lugar fragmentado e de difícil acesso entre memórias e sentimentos.

Embora a dinâmica entre pai e filha ocupe mais tempo de tela, o filme apresenta, ainda que num espaço curto das férias, o desenvolvimento e o amadurecimento da pequena Sophie. Trata-se de uma menina esperta e animada, mesmo possuindo uma aparente solidão, sendo filha única de pais distantes. Seu coming-of-age emerge a partir das interações com crianças mais velhas e de um primeiro contato e desejo amoroso. Compreendemos a curiosidade e a necessidade de Sophie de pertencer a ambientes deslocados da sua idade, que não permitam que seu lado infantil apareça.

A busca de Sophie pela maturidade precoce pode se justificar na cena em que fica presa fora do quarto enquanto Calum passa por uma forte crise emocional. Notamos, no rosto da menina, preocupação e tristeza pelo que ocorre com seu pai. Assim que o recepcionista do resort lhe oferece uma chave extra para abrir o quarto, ela encontra Calum dormindo nu, de modo que apenas o cobre e vai dormir. Sua apatia, ou quase nenhum espanto com o que ocorre, sugere que se trata de uma situação vivida outras vezes, o que exige dela atenção e responsabilidade sobre o pai acima da sua idade.

Trata-se de um filme nostálgico, em que o retorno à infância provoca uma confusão de sentimentos entre afeição e vazio pelo passado – pelo espaço de tempo que não se repete mais. Há um forte reconhecimento dos pais enquanto humanos e frágeis, muito mais frágeis do que supusemos. São como nós, afinal, pessoas imperfeitas e vulneráveis.

Aftersun é uma carta de afeto e compaixão. Trata-se, ainda, do amparo e do reencontro de uma adulta com sua versão mais jovem, incapaz de compreender seu pai para além da função paterna. Wells retorna às suas memórias não com o intuito de reproduzir cronologicamente o passado, mas de recriar as diversas possibilidades de alguns encontros e despedidas.

Exibido em festivais e consagrado com diversos prêmios, Aftersun ganhou como melhor filme independente no British Independent Film Awards e melhor filme, ator e direção no Toronto Film Critics Association Awards, dentre outros. A obra é uma preciosa estreia de Charlotte Wells e está atualmente disponível no Brasil na plataforma de streaming MUBI.

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