Clean (2004) começa de forma frenética. O aspirante a rockstar Lee e sua agente e esposa Emily chegam em uma nova cidade para mais um show. Encontram um produtor local, conversam alguma banalidade qualquer e logo estão no bar em que Lee tocará no dia seguinte, assistindo a uma banda ao vivo e discutindo a possibilidade de contratos com selos e gravadoras independentes. Nesses primeiros minutos, as ações são muito rápidas, a câmera é vibrante, os cortes secos, a música alta. Aparentemente, Olivier Assayas conduzirá o espectador para um filme dedicado a decifrar o universo dos aspirantes a estrelas do rock. E, para quem conhecia seu filme anterior, Espionagem na Rede (2002), era fácil acreditar que essa agitação tomaria conta do restante da produção.
No entanto, Lee, até então, o protagonista do filme, morre por conta de uma overdose, a partir disso, a direção de Assayas muda de tom. O que parecia uma obra contaminada por bebedeiras, drogas e música alta, se torna uma narrativa sobre Emily e seu estado deslocado no mundo. Desde o princípio, a moça, dependente química, é construída como alguém difícil de lidar, mas com uma inegável proximidade de Lee, mesmo nas brigas que os dois tinham, aditivadas por entorpecentes.
Emily, porém, não tem tempo para o luto, foi condenada por porte de drogas na mesma noite da morte de Lee e ficou seis meses na prisão. Ao sair da cadeia, é como se outro filme começasse, ou melhor, uma nova abordagem do diretor francês para aquela personagem. Há uma chave para essa mudança: a apresentação do filho de Lee e Emily, Jay que mora com os avós paternos. Não é uma revelação com contornos melodramáticos, mas Assayas pontua que há uma criança preterida pelos pais por uma vida na qual um filho não teria lugar.
Clean, então, ganha enxertos da vivência da criança em sua rotina afastada dos pais. Há uma espécie de montagem paralela em que ora a narrativa se centra em Emily, ora em Jay. No entanto, toda vez que o menino surge na tela é entre fade outs e fade ins. Esse recurso narrativo, comum no cinema do passado, quebra completamente a experiência acelerada, marca inicial do filme. A técnica dá o tom de momentos mais contemplativos e ainda revela a distância de Emily com o filho. E mais, serve como espelho da vida de Emily que passa a se manter entre a claridade e a escuridão.
O filme se torna a jornada de Emily para que sua vida retorne aos eixos e ela possa encontrar-se com o filho novamente. E, por mais que haja o desejo de fugir de um passado que a assombra, há também o peso de uma vida pregressa da qual não é fácil se libertar. Quando Emily fala para sua amiga, Irene, que largou as drogas, ouve de alguém que a conhece intimamente: “não acredito!”. Ou seja, nem as pessoas mais próximas acreditam que ela poderá conviver novamente com o filho.
Há um verdadeiro tour de force de Emily pela selvageria da vida comum. Em certo momento, ela comenta como a vida das pessoas é cruel e que seria melhor ela ser uma viciada. No entanto, continua a passar por vários trabalhos sem se adaptar ao novo estilo de vida, mas se esforça para reencontrar o filho. Jay é o último resquício de Lee no mundo, e o apego ao rebento é uma forma de sentir-se viva novamente, além da possibilidade de recomeçar uma relação afetuosa, inexistente desde a morte do marido.
A sequência final no pôr do sol (momento exato em que o dia dá lugar à noite ou a claridade dá lugar à escuridão), é o reflexo de uma vida que mesmo com beleza ainda pode ser muito dura e a personagem terá de escolher qual caminho pretende percorrer para recomeçar a sua vida.
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