Dizer que La La Land – Cantando Estações (La La Land, 2016) é um pastiche ou uma homenagem ao cinema musical é obviamente correto, mas, ao mesmo tempo, uma subavaliação. A relação do filme com um determinado período do gênero que ele saúda e admira é mais agressiva que uma homenagem. La La Land aponta com um holofote para cada pequena referência, para cada momento em que o filme se entende musical. Não tenho dúvidas de que o longa merece ser reconhecido como parte do gênero. Mas, ao mesmo tempo, ele parece preso em um estado anterior da realização de um filme musical, preso no desejo, desesperado, por um determinado cinema musical. Os personagens sapateiam, por exemplo, não como Ginger Rogers e Fred Astaire, mas como em uma ilusão de trazer de volta a experiência estética de um sapateado de Ginger e Fred. Essa ansiedade do filme por recuperar uma certa magia estética perdida é compartilhada por seus personagens: a atriz Mia (Emma Stone, perfeita), saudosa pela Hollywood clássica que desde criança ela tenta trazer de volta, imitando Ingrid Bergman em seu quarto; e Sebastian (Ryan Gosling), um branco conservador do jazz. Essas duas figuras anacrônicas vão correspondendo ao jogo de nostalgia do filme. Há muito que os três (Mia, Sebastian e o filme) desejam trazer de volta. E eles tentam, voraz e desesperadamente, até se depararem com a perda do objeto desejado e o duro fracasso da própria empreitada.
Ao lado de Whiplash – Em Busca da Perfeição (Whiplash, 2014), filme anterior do diretor, é compreensível que se leia a jornada dos personagens como uma onde se persegue o sonho do sucesso e reconhecimento. E não duvido que essa moral narcisista esteja entre as intenções do texto de Chazelle, que parece compartilhar do anacronismo de seus protagonistas. Mas, ao final do longa, o que temos não é o sacrifício do amor pelo sucesso, e sim o reconhecimento de um fracasso inevitável. O que poderia ter sido uma lição “às vezes, estamos perdendo para ganhar”, torna-se simplesmente “estamos sempre perdendo”.
O crítico Jonathan Rosenbaum, em seu excelente texto sobre o filme, reflete sobre o que ele reconhece como o caráter maníaco-depressivo da obra, e sobre as mortes do cinema e do jazz materializadas no filme. E o filme se coloca realmente nesse lugar de luto. E é esse luto que move o seu desespero, seu anacronismo e sua nostalgia. Aí está, acredito, a genialidade de um pastiche que deu errado, da imitação malfeita, da mistura de referências opostas e bem divergentes em um mesmo produto. O filme, a partir de seu fracasso imitativo, escancara a perda do objeto que deseja imitar.
E a perda desse objeto está completamente entrelaçada à impossibilidade de sucesso dos personagens, como La La Land aponta já em sua primeira cena — o extravagante número musical “Another Day of Sun”. A canção é uma celebração de Los Angeles como cidade dos sonhos. Nela, uma garota presa em um engarrafamento fala sobre como deixou um namorado aceitável para perserguir a fama em Hollywood, descrevendo a cidade nesses exatos termos: “A Technicolor world made out of music and machine/ It called me to be on the screen/ And live inside each scene” (“Um mundo Technicolor feito de música e máquina/ Convidava-me a estar na tela/ E viver dentro de cada cena”).
É uma regra conhecida do teatro musical a ideia de que o número de abertura deve apresentar a peça de alguma maneira. E este, entre os musicais que já vi, é um dos que atendem a essa regra de maneira mais inteligente. Ele não apenas apresenta a temática do filme (pessoas saudosistas e — por que não? — narcisistas perseguindo seus sonhos em LA), mas a ótima letra de Benj Pasek e Justin Paul apresenta também o direcionamento estético do filme, o desejo de viver dentro de um mundo Technicolor ainda que ele não seja mais concretamente possível.
E não é, realmente, possível. Talvez por isso La La Land seja recebido com cinismo por parte da crítica, que o considera ridículo em suas imitações fora de lugar, ou incapaz de atender as demandas políticas da contemporaneidade. Mas é importante não perder de vista que o filme enfrenta esse cinismo já dentro do próprio filme, através de personagens como a irmã de Sebastian e, principalmente, o de John Legend. O personagem de Legend se tornou algo como uma figura-chave nas discussões que acompanhei sobre o filme. Questiona-se que o protagonista, um saudoso pelo jazz, seja branco. Pessoalmente, acho imprescindível que Sebastian seja branco, porque a sua branquitude demarca justamente a tolice e incoerência de seu saudosismo, a distância enorme entre ele mesmo e o objeto que ele reclama tão apaixonadamente. Enquanto isso, Legend (ele mesmo, como compositor/cantor dentro do filme, e seu personagem) propõe uma releitura desse mesmo gênero musical.
Há alguns dias, convidei uma amiga a assistir comigo ao musical francês Os Guarda-Chuvas do Amor (Les Parapluies de Cherbourg, 1964) — filme para o qual, acredito, La La Land acena com mais firmeza. E, ao compararmos o final dos dois filmes, ela comentou como o gesto de Mia de deixar o restaurante sugeria uma maturidade maior da personagem e a sua satisfação com a vida que tinha, enquanto o olhar final de Sebastian escondia algumas frustrações e decepções. Falamos também de como, no fim das contas, aquela sequência-fantasia colorida era muito mais dele do que dela, a impressão de que o que Sebastian perdeu era mais importante que o sonho saudoso que ele perseguiu. Aqui está, talvez, o confronto último do filme com a fragilidade de seu próprio saudosismo. A aceitação e o entendimento, finalmente, de que não há como voltar atrás.
Texto publicado originalmente em 26/02/2017 no site Lavoura, atualmente fora do ar.
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