Remember my name, fame
I’m gonna live forever
I’m gonna learn how to fly, high
Eu vivenciei uma experiência catártica. Cantei, chorei, sorri, gargalhei, por vezes apenas admirei, embasbacada, as cenas que se desenrolavam à minha frente. Meu corpo estava no Cinema, mas minha alma foi transportada para a Escola de Artes Performáticas de Nova Iorque. Eu assisti, pela primeira vez, o musical Fame (dir. Alan Parker, 1980).
Minha primeira sensação foi incredulidade. Como pode aquelas cenas tão vivas e até hoje atuais terem quase 40 anos? Me senti amiga de cada um daqueles adolescentes em busca do sonho de viver da arte. Eu, enxerida que sou, sempre fiz um quase nada de tudo — já cantei, dancei e arrisquei atuar — e vi naquela academia um paraíso.
Corpos e rostos de todas as cores e tamanhos cantando, bailando e tocando em uma maravilhosa bagunça. E os personagens, então! Tem a Coco, a wannabe star segura de si, que deseja estourar. Bruno, o menino tímido e gênio dos sintetizadores — com um pai adorável, que faz tudo por ele. Doris, a menina tímida com uma mãe super coruja, Ralph, o palhaço da turma, o ruivinho introvertido Montgomery, Leroy, o garoto durão das ruas que é um prodígio da dança, a loirinha ricaça e entediada que ama ballet…
O que torna Fame tão especial é que Alan Parker joga esses estereótipos em sua cara, com força, para depois desconstruí-los, um a um, dando humanidade para aqueles personagens e nos fazendo parte da turma. Doris se torna uma mulher segura de si. Coco passa por uma situação de extrema vulnerabilidade. Leroy, sem lar, luta para escrever e ler melhor e assim passar na escola.
Ralph Garci é uma das surpresas desse roteiro tão rico. Ele começa a película sendo o alívio cômico e à medida que os minutos passam, camada por camada, você vai descobrindo que ele é provedor da família, seu pai está preso e suas pequenas irmãs vivem sob perigo, em um bairro violento. O momento em que Ralph desaba e mostra seu eu verdadeiro é um dos mais tristes e puros q já vi no cinema.
Outra subtrama que merece destaque é a de Montgomery. O sensível ruivinho mostra que tem problemas com mulheres desde cedo e entende que na verdade ele sempre foi, e sempre será, gay. Quantos filmes adolescentes tocam nesse assunto com tanta delicadeza? Paul McCrane está natural no papel, como um jovem tímido seria, sem aqueles estereótipos que por vezes passam longe da realidade de um jovem homossexual. O roteiro até dá pistas de que ele teria uma queda por Ralph Garci. Quando ele toca "Is it OK if I call you mine", sabemos em quem ele está pensando.
"Is it okay if I call you mine?
Just for a time
And I will be just fine
If I know that you know that I’m wanting
Needing your love"
O monólogo que Monty entrega no meio do filme também é revelador. Gay, para quem não sabe, originalmente significava "alegre" em inglês, antes de ter o significado atual. É sobre isso que ele reflete aqui:
"É engraçado… "gay" costumava ser uma palavra tão feliz uma vez. Não que isso me incomode. Eu sou bem ajustado, de verdade. Quer dizer… Nunca ser feliz não é o mesmo de ser infeliz, é?"
Fame é um filme feito por jovens e para jovens, mas sem subestimar a inteligência do público. Temas como violência doméstica, aborto, abuso sexual e preconceito permeiam o roteiro de forma tão orgânica que por vezes me perguntei: "Estou vendo um musical ou um documentário"?
Eu senti o nervoso da aprovação, fiquei maravilhada com o novo universo revelado no primeiro ano, me agoniei com as dificuldades deles, cantei junto "I Sing the Body Electric" na cerimônia de formatura.
É muito raro um filme de um gênero visto como superficial, como o musical, ser ao mesmo tempo sério e realista. Combinar lágrimas, sorrisos, músicas e silêncios de uma forma tão incrível como Alan Parker fez é para poucos.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário