Muitas estórias não vistas passam pelos nossos olhos todos os dias. Muitos pré-julgamentos são feitos a partir de fatos cotidianos extremamente banais, assim jogamos fora muitas pessoas somente por não terem nos agradado naquele instante. Em Um Santo Vizinho (St. Vincent), na estreia de Theodore Melfi, temos um engraçado e tocante longa que trata sobre, como os Beatles já falavam, "all the lonely people".
Encarnado por Bill Murray, a trajetória de Vincent MacKenna não possui nada de muito original. É a velha trama do solitário e rabugento com um cotidiano tedioso, uma casa descuidada e um estilo de vida nada saudável. Murray sabe muito transparecer o cinismo e tédio do homem comum. Desde o jovem clássico Feitiço do Tempo até o doce Encontros e Desencontros, o veterano sempre soube dar diversas dimensões e expressões (afinal, personagens diferentes) para os homens solitários em sua vida banal.
É verdade que a relação construída entre Vincent e Oliver (Lieberher, uma revelação que devemos estar atentos) não possui um caminho e percurso que diferenciaria de tantas outras (acho que desde Ensina-me a viver, as fórmulas se repetem). Porém, é como Melfi foge da rígida forma de nos afeiçoarmos por Vincent. Seu estilo irresponsável e quase infantil no início não permite que o espectador interpreto-o de vez como um ser humano deplorável. Sua indiferença não reside numa misantropia e "pseudo-sociopatia", mas numa já transparente desilusão com a vida - esta que é elucidada com muita justificativa.
Vale ressaltar que o filme traz personagens menores que não ficam muito atrás. Se, por um lado, Melissa McCarthy interpreta um padrão de mãe protetora preocupada, Naomi Watts, por trás de uma maquiagem propositadamente horrível e um sotaque russo de gosto duvidoso imprime a garota de programa Daka uma doçura peculiar e até mesmo terna. Mas é Chris O'Dowd que merece destaque por fornecer ao Padre Geraghty uma legítima preocupação com seus alunos, demonstrando uma admiração profunda pelos seres humanos, jamais querendo punir antes de compreender.
Obviamente, o filme possui suas falhas. Ironicamente, a falha está na construção para aquela que é também a melhor e mais tocante cena do filme. A bela cena de santificação de Vincent poderia ter sido muito mais eficaz se MacKenna decidisse nos pegar de surpresa eliminando algumas cenas que já nos preparam para o acontecimento. Embora tenha de reconhecer que foi uma escolha consciente de Melfi (afinal, todo mundo já esperava por isso), sinto que a emoção teria sido potencializada se o público não se antecipasse. Ainda assim, não se surpreenda caso lágrimas sejam despejadas, pois tanto o texto quanto a composição da cena são perfeitamente sincronizadas.
Existem mais problemas que são equívocos puros. O personagem de Terrence Howard nada agrega ao roteiro e tenta ser um vilão em uma trama que justamente busca não levantar maniqueísmos fáceis sobre o que é o ser humano, uma contradição que quase prejudica a mensagem do filme não fosse a eficácia dos outros momentos. Além disso, o filme tem uma dificuldade gigante de dar intensidade aos conflitos entre Vincent e Maggie, nenhum deles nos leva a uma tensão importante para sabermos se ambos poderão confrontar suas falhas.
Tocante, bem-humorado e com um final que leva o espectador para fora com uma sensação de otimismo, "Um Santo Vizinho" é um convite a enxergamos os outros através do que superficialmente e em poucos segundos não conseguiríamos ver. Mais empatia é só o que se pede.
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