"UM ROTEIRO SIMPLES E EFICIENTE ÀS VEZES É O SUFICIENTE".
Para ser excelente, um filme deve entregar o que se propôs. Se assistimos a um filme de ação, não queremos discussões filosóficas. E isso vale para os demais gêneros. Nesse sentido, há certo preciosismo em boa parte dos críticos, sempre desejosos de ver algo "revolucionário" ou coisa do tipo. No caso da fantasia, o desejo do espectador é a imersão, sentir-se conectado ao universo apresentado. Peter Jackson fez isso muito bem na trilogia de O Senhor dos Anéis, assim como Lucas o fez antes (reconheço isso, mesmo não gostando de Star Wars). E era essa a proposta de Final Fantasy XV: Kingsglaive, numa escala bem menor, ser um filme simples e efetivo, atraindo novos fãs para a série, conforme comentado por Hajime Tabata (produtor-executivo e diretor do jogo que dá o nome ao filme). Uma proposta muito diferente de seu "antecessor" Advent Children, que tinha foco no público familiarizado a Final Fantasy VII.
A premissa é básica e segue o modelo dos últimos episódios da série. Há um conflito entre dois reinos, no caso Lucis, comandado pelo rei Regis Lucis Caelum (Sean Bean), e Niflheim, comandado pelo rei ledolas Aldercapt (David Gant). Mas o filme “se concentra” em Nyx Ulric (Aaron Paul), uma espécie de soldado imperial com poderes mágicos, da guarda de elite Kingsglaive. Esses soldados são treinados desde a infância, sendo muitos deles retirados de reinos subalternos a Lucis. Cansado pela guerra, o rei Regis decide ir à mesa de negociação com Niflheim. Esse pacto seria selado com a transferência do cristal que protege o reino, na forma de uma muralha, para Niflheim, assim como o casamento de Lunafreya (Lena Headey), princesa de Tenebrae, com o príncipe Noctis (Ray Chase), filho de Regis. Só que ledolas Aldercapt tem outros planos, e eles não envolvem a paz.
A partir de uma traição de Niflheim, Nyx acaba como guarda-costas da princesa Lunafreya, e esse é o ponto-chave do filme, girando sobre o comprometimento do membro da Kingsglaive em entregar a princesa a um dos reinos mais próximos, a fim de que se encontre com o príncipe Noctis. No caminho dele está um dos generais de Niflheim, Glauca (Adrian Bouchet), e nele vemos o começo dos problemas desse filme. Glauca é um vilão de armadura genérica, que destoa da beleza do resto do filme. É insosso, agrega pouco, e Nyx não fica atrás. Embora a dublagem de Aaron Paul tenha cumprido o seu papel, o personagem não é explorado nem um pouco. Há certo rancor nele pelo fato de ser um imigrante em Lucis, mas ainda assim, de boa vontade, ele resolve se arriscar no meio de um caos sem precedentes a pedido do rei Regis.
Não que todo personagem deva ser falante ou carismático. Talvez tenha sido uma decisão artística deixá-lo apagado, de modo que observássemos o mundo à volta. Infelizmente, isso me deixou sem opção, pois, durante o filme, não consegui criar uma ligação com nenhum personagem. Vagamente com o rei de Lucis, Regis, cujos motivos certamente serão explicados no jogo que dará continuidade ao filme. Mas a aparição do rei de Lucis é mínima, sem entregar muito. Longe de ser o bastante para fazer com que quem não está acostumado a RPGs orientais se sinta instigado a aproveitá-los pela primeira vez.
A essa altura, com um roteiro com possibilidades variadas, o leitor já entendeu que havia muito a ser explorado. Mas não foi. Parte do filme é uma verborragia de nomes e localidades, perdendo um tempo precioso que poderia nos aproximar dos personagens. Um espectador não habituado a fantasias orientais já ficaria confuso antes de meia-hora de filme. Este peca pela tentativa de dar a "impressão de complexidade", sem que seja convincente. Seria melhor se os roteiristas tivessem se focado numa pequena parte daquele universo. Esse problema é visto explicitamente nas cenas de corte, que não fazem uma preparação ideal para que se crie interesse em algum dos assuntos propostos. Qual a relação entre ledolas e Regis? Há algum conflito pessoal do passado? O objetivo de Niflheim é o poder pelo poder? Sei que boa parte disso se resolverá quando estivermos com o controle de videogame em mãos, porém, se fosse explorado devidamente, com certeza daria mais fôlego ao filme.
Quanto aos aspectos técnicos, o filme é um grande desperdício de dinheiro. Algumas cenas são de cair o queixo, fazendo com que muitas vezes se confunda a ficção com a realidade. Mas isso se perde em enquadramentos fracos e uma trilha sonora pouco aproveitada (pois compartilha a mesma trilha do jogo, que é ótima, por sinal). O universo do filme, um misto de cidades-Estado italianas com tecnologia atual, não será grande novidade a fãs do gênero ou até a pessoas que conhecem superficialmente filmes de fantasia. Cumpre o papel e nada mais. Então, assim como aconteceu ao famigerado Final Fantasy: The Spirits Within, Final Fantasy XV: Kingsglaive não envelhecerá bem. E isso em qualquer sentido possível. Ainda me divirto com as cenas de seu meio-irmão, Advent Children, como durante a batalha final entre Cloud e Sephroth. No caso de Kingsglaive, nem um equivalente temos.
Por incrível que pareça, aos fãs das antigas de Final Fantasy, que não têm acompanhado os últimos jogos da série (diga-se de passagem, o infame episódio XIII), esse filme pode ter sido um tiro no pé. Quando Final Fantasy XV foi anunciado (na época, como Final Fantasy XIII Versus), a proposta sugerida por Tetsuya Nomura era criar uma versão atualizada da série, mais sombria, com mais sangue. Nas palavras dele, "baseada em Hamlet", de Shakespeare. Para o azar dos fãs, a Square Enix tirou a empreitada das mãos dele, passando ao atual diretor, Hajime Tabata, a continuidade. E está claro, tanto pelo filme quanto pelos trailers do jogo, que a promessa foi alterada para atingir um público maior. Até como vitrine, Final Fantasy XV: Kingsglaive falhou.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário