A busca pela perfeição, quando não executada de forma sadia se torna uma obsessão que culmina até mesmo em doença. Antônio Salieri era obcecado em entender como Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart havia sido abençoado por Deus com extremo talento para a música. Porra, o cara com 8 anos de idade já compunha sua primeira opera! Realmente Mozart havia sido abençoado de alguma forma, mesmo que o pai, músico experiente, começou a ensina-lo com apenas 4 anos de idade. Mas não adiantava, Wolfgang já havia comprovado ser um alienígena. O filme "Amadeus" retrata Salieri como invejoso, mas ao mesmo tempo admirador do talento sobrenatural de Mozart. Historiadores e defensores de Salieri alegam que o compositor não nutria esse ódio mortal e mantinha uma singela amizade com o prodígio. Mesmo que exista ficção e a obra seja baseado em peça teatral de Peter Shaffer que também assina o roteiro, "Amadeus" é um filme obrigatório para qualquer amante da 7ª arte...
O filme tem inicio com Salieri já velhinho, que resolve confessar a um padre que foi o responsável pela morte do gênio Wolfgang Amadeus Mozart, contando em detalhes como conheceu, conviveu e lentamente viu crescer seu ódio pelo jovem irreverente e criativo que, segundo ele, compunha como se sua música tivesse sido abençoada pelo próprio Deus. Talvez o maior acerto da história, seja abordar ponto de vista de outro compositor da época, que conviveu com ele e que, apesar de ter talento, jamais conseguiu se igualar à genialidade dele. E é exatamente o efeito que a aparição daquele homem, com uma capacidade criativa muito acima da média, causaria em Salieri que iremos testemunhar ao longo da projeção. E nesse caso podemos exaltar o velho ditado "a grama do vizinho é sempre a mais verde", pois Salieri gozava de vasta influencia na corte de Viena na época e possuindo respeitável patrimônio financeiro, mas mesmo sim queria ser o melhor.
A perfeição do filme se inicia nos quesitos técnicos. Logo de imediato, somos imergidos na Viena do século XVII. A Direção de Arte, a cargo de Karel Cerny é primorosa, retratando palácios, jardins e casas daquela época com perfeição, aproveitando e explorando todos os espaços e locações disponíveis. Outra sacada genial é a fotografia de Miroslav Ondricek. Ondricek coloca lado a lado o estado emocional de Mozart em conjunto com as cores. Inicialmente, o criativo e elétrico Mozart, fica exposto ao ambiente claro e iluminado, com cores vermelhas e alaranjadas. Posteriormente, após a morte de seu pai e a medida que Mozart vai enlouquecendo, a fotografia vai gradativamente escurecendo e perdendo vida. E nem precisaríamos citar a maravilhosa trilha sonora de John Strauss, que espalha a vasta e fenomenal obra de Mozart por todo o filme. É música clássica pra ninguém botar defeito e até mesmo que não gosta, ou não está familiarizado com esse gênero musical, ira se deliciar com os cantos, operas e composições no decorrer da trama.
A maquiagem também está muitíssimo bem executada, principalmente quando Salieri e Mozart já estão idosos. A fita possui algo em torno de duas horas e quarenta minutos de duração, mas a montagem de Michael Chandler e Nena Danevic é tão fabulosa que o filme passa voando e eles ainda executam excelentes transições, saltando do passado para o presente sem soar forçado ou deixando a narrativa confusa. Vemos Salieri velhinho, e posteriormente é cortado para operas e por aí vaí, mas afirmo novamente, esse trabalho é tão bem executado que não soa cansativo ou estressante em momento algum. E finalmente, o roteiro de Peter Shaffer, baseado em sua própria peça é esplendidamente bem escrito, alternando momentos dramáticos, cômicos e até mesmo de suspense. Forman utiliza muitos closes nas reações de Salieri quando Mozart é elogiado, realçando sua inveja, que crescia paralelamente à sua admiração por ele. Os recursos que mostram como ele absorvia as canções do gênio precoce são fantásticas, utilizando o inteligente recurso de tocar a canção que ele lia nas partituras para que o espectador sinta o que ele sentia.
Contando com nomes relevantes na composição do elenco, é nos dois atores principais que a fita atinge a perfeição. Wolfgang Amadeus Mozart, que após sessões espiritas, é incorporado por espirito em Tom Hulce. O ator inicia sua intepretação com vivacidade e energia. Desinibido e totalmente irreverente, como o próprio personagem afirma em uma passagem, era "um homem vulgar". Hulce demonstra com envolvente competência a ansiedade do gênio precoce. Em certo momento, quando ele vai receber a opinião do Imperador, o ator exibe um olhar arregalado, sua fala presa na boca e a respiração ofegante demonstram que ele mal podia esperar para ouvir a opinião dele. Outro cacoete, provavelmente criado pelo próprio Hulce, é a risada marcante do músico. A risada engraçada, aguda e estridente, caracteriza muito bem o excêntrico personagem. F. Murray Abraham parece ter sido acometido pelo "fantasma pós vitória Oscar", visto que o ator nunca mais conseguiu papeis de destaque após 1985, mas aqui o ator registrado um trabalho magistral. É simplesmente tocante como ele narra a história com paixão, demonstrando através do olhar, do tom de voz e de cada gesto, o forte sentimento de frustração que amargurava ao relembrar a história que viveu com o gênio. A fala precisa, pausada e com boa entonação garante um tom emocionado à narração.
A película recebeu num total de 10 indicações ao Oscar; Melhor Direção de Arte, Melhor Som, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Maquiagem, Melhor Figurino, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator, Melhor Diretor e Melhor Filme e só não venceu nas categorias de Melhor Fotografia e Melhor Montagem, que pra mim poderiam muito bem ter levado também. O Curioso é que Hulce e Murray foram ambos indicados para Melhor Ator, mas não teve jeito, quem merecia realmente era F. Abraham, uma dos melhores acertos da premiação. Como já disse, não existem fontes comprobatórias que assegurem que Salieri sentia esse ódio mortal por Mozart, mas de toda forma a fita é uma história de frustração, melancolia, superação e mágica como poucas. Os dois compositores deixaram sua marca na história da humanidade, e Milos Formam também. Um filme irretocável em todos os quesitos.
Revi fim de semana que passou e permanece fabuloso. Que filme. Que atuações. Que direção do Forman. Que genialidade.
E que texto, Lucas. Conseguiu ficar a altura do filme.