Este trabalho de Ferrara carrega consigo uma vitalidade assombrosa que não permite sua narrativa se tornar cansativa em momento algum, mesmo a trama não passando de algumas horas na vida de um grupo de pessoas que estão envolvidas com o clube noturno Rays Ruby Paradise. Apesar de certo ar de despreocupação, e a câmera simplesmente observar, o filme é sobre situação, a arte e o prazer do momento e de filmá-lo, resgatá-lo e mante-lo vivo, buscar nele sua vibração. Alcançando assim um olhar sobre a necessidade do imediatismo na sociedade. Para no fim das contas exaltar o mundo underground ao qual Ferrara sempre pertenceu.
Willem Dafoe, Bob Hoskins, Asia Argento, Mattew Modine, Burt Young. Todos são jogados dentro daquele ambiente, que serve de cenário para noventa e oito por cento do filme, e simplesmente precisam resolver seus problemas, suas desavenças. Dafoe é Ray Ruby, o dono do local, que precisa de dinheiro para manter seu clube funcionando, Hoskins é uma espécie de sócio, genial com um ar gangster, Asia é a mais misteriosa das dançarinas, que enlouquecem por não receberem como deviam, Modine um homem rico que investe no local, só por que Ray é seu irmão, mas já não quer mais fazer isso pois não há lucro. Dentre idas e vindas, discussões rotineiras, o interesse surge exatamente do fato de nada absurdo acontecer.
Ao erguer um verdadeiro mundo dentro de uma boate, Ferrara possibilita a si próprio a simplesmente pegar sua câmera e ver os personagens se relacionando, pouco a pouco conhecendo cada um, suas particularidades, o modo como agem numa mesma situação e as diferentes posições que ocupam, como se fossem a própria sociedade. Enquanto Modine está preocupado que seu dinheiro está sendo mal investido, apesar de ainda ter de sobra, as dançarinas contam os centavos, pois não recebem ja que seu chefe está praticamente falido.
O dinheiro parece ser o centro do filme de Ferrara. O diretor sempre falou da maldade no nosso mundo, se fosse colocada em Go Go Tales, seria ele, o próprio dinheiro. No fim das contas, é ele que determina as ações e reações dos personagens. O desespero de Ruby e seus sócios é devido a falta dele, que possibilita sua falência definitiva, a revolta dos empregados é devido a falta de pagamento, a mulher que aluga o ambiente entra em histeria devido a falta de pagamento, Modine quer fechar o clube pois não recebe retorno. E a vida deles assim vai sendo moldada em função do dinheiro. O que nos resta é ver Willem Dafoe eufórico esperando o resultado da loto, que pode lhe render 18.000.000 milhões de dólares, incluindo as taxas que serão descontadas, por que todo mundo só quer dinheiro. Mas Ferrara em momento algum se passa por hipócrita, e nunca afirma que o interesse pelo dinheiro seja algo completamente ruim.
Analisar e expor um período quase continuo da rotina de um grupo de pessoas, permite a Ferrara observar suas necessidades, principalmente ligadas a ganhos, e a maneira como exigem isso. Logo vemos que aquele mundo restrito é um retrato do nosso mundo, onde todos exigem resultados instantâneos, imediatos. Tal universo, se configurando como o real, não permite ninguém esperar, é preciso ter resultados rápidos ou então é passado para trás. Cada personagem quer resolver seu problema no agora, no momento, nenhum deseja aguardar, isso reflete a necessidade do ser-humano no mundo atual do imediatismo.
Fora a representação de Ferrara do mundo real e suas variantes, através de um cenário, o que sustenta o filme realmente e permite-o alçar maiores vôos, é a técnica do diretor, sua mise-en-scene encontra, talvez, seu auge. Sua câmera possui uma espontaneidade incrível, daí ela ficar contemplando minutos e minutos de danças sensuais das garotas semi-nuas, embriagado pela trilha-sonora. Ela passeia por ali, espia conversas, carrega consigo algo que fascina, uma fotografia extraordinariamente atmosférica, uma montagem paralela bem colocada, não é preciso muito tempo para estarmos em casa, e aquela longa primeira cena, se estender por todo o filme. Brilhante em sua totalidade.
Belo texto para um dos grandes filmes do Ferrara!
Aliás, geralmente o desfecho de seus filmes são memoráveis!
Grande texto, mesmo. Não conferi Go Go Tales ainda, mas essa relação do Ferrara e o dinheiro é muito interessante.
Valeu Ricardo. Confere esse aí!