Com as crises que desiludem muita gente (quer sejam emocionais, económicas, ou de outra índole qualquer), haverá mais hipóteses de aumentar a tendência para o suicídio. E esta loja poderá ajudar todos aqueles que procuram acabar com a sua própria vida segundo os seus desejos mais diversificados: desde venenos a harakiri, passando ainda por revólveres e os "clássicos" enforcamentos, há de tudo na casa muito visitada e prestigiada dos Tuvache, o estabelecimento mais requisitado no mercado suicidário. E sim, por tudo isto, «A Loja dos Suicídios» poderia parecer uma animação depressiva e repugnante para a maioria do público português, que ainda acha que todo o filme animado é dirigido só e exclusivamente à criançada... mas que se engane quem ainda quer pensar que a bonecada é apenas para miúdos. Patrice Leconte realiza, na sua primeira investida no Cinema de animação, uma comédia muito, mas muito negra, e não menos musical, que é relevante para as dificuldades que temos Hoje de enfrentar, a que ninguém pode mesmo ficar indiferente. Se por um lado os exageros humorísticos da narrativa servem para criar um estilo próprio e que em muito deve às ideias de Tim Burton, por outro, é notória a intenção de se confrontar o espectador com a triste realidade, onde não prevalecem cantigas nem ironias em desenho animado. Uma loja como esta pode não existir no "nosso mundo", mas se retirarmos a camada de (bonito) floreado e ficção da trama, conseguimos perceber que os risos que esta estranha família e o bizarro negócio do qual fazem o seu quotidiano não tem tanto de non-sense como nos parece...
Uma animação muito divertida, sádica e inteligente, que brinca com a morte e todos os clichés a ela associados, «A Loja dos Suicídios» pretende apenas que o mundo seja um sítio melhor para viver, livre de depressões e das tais tentativas de suicídio. Pode parecer uma mensagem simples, mas não deixa de ser essencial na atualidade, mesmo que os filmes não consigam "mudar" o mundo. Pode ter algumas ideias previsíveis (sim, o final será exatamente aquilo que o espectador estará a prever a partir do momento em que a família Tuvache ganha um novo membro, o filho sorridente e bem-disposto que é, por isso, o "martírio" para o negócio), mas não deixa de ser uma delícia animada, e mais uma peça de resistência contra a aparente ditadura do 3D na arte dos desenhos animados (há algum aqui, mas são as duas dimensões que dominam o filme). Com uma panóplia de personagens hilariantes e um sentido de humor extraordinário, provocador e invulgar, «A Loja dos Suicídios» passou mais ou menos despercebido por Portugal e parece ter sido mal compreendido um pouco por esse mundo fora - em parte porque um conceito destes é difícil de explorar e de ser aceite pelas massas que frequentemente (ainda) vão ao Cinema, e ainda porque se trata de um filme de animação... francês, fora dos ditames americanos que fazem as delícias repetitivas dos espectadores. Esta não é uma obra para crianças, mas para os Pais se divertirem e, mais importante ainda, para pensarem no que estão a ver, rindo dos variadíssimos e obscuros "gags" da fita e apercebendo-se sempre que, no meio das grandes gargalhadas, existe um pano de fundo cruel, frio e realista que inspirou a criação desses formidáveis momentos de humor. Uma comédia assombrosa e uma pequena pérola deliciosa.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário