Vencedor do Globo de Ouro e do BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro, a nova obra assinada por Paolo Sorrentino tem recebido críticas muitos distintas nos diversos países em que estreou. E finalmente, A Grande Beleza chega esta semana às salas portuguesas.
Jap Gambardella (Toni Servillo) escreveu um único romance, O Aparelho Humano, que lhe deu fama e reconhecimento durante décadas. Mas apesar de se ter sempre considerado um homem feliz e com realizações concretizadas, apercebe-se no presente que as suas ambições não passaram de futilidades. Tomando a decisão de mudar a sua vida, Jap resolve voltar à escrita, apesar do cinismo, da hipocrisia e da arrogância da elite em que está inserido, além da visão negativa que tem de si próprio, numa crónica que é também a do desabar da sociedade italiana.
Já são cansativas e repetitivas as comparações entre A Grande Beleza e o clássico A Doce Vida, de Federico Fellini, tal como já se tornaram maçadoras e desnecessárias todas as críticas que dizem o quão repetitivas e cansativas são essas comparações. É de facto uma injustiça comparar o conto exuberante da decadência da Itália contemporânea de Paolo Sorrentino com o festival estonteante e fascinante das aventuras que a personagem de Marcello Mastroianni nas ruas de Roma. Ambos os filmes falam do estado da Itália e do seu Cinema nas épocas em que foram elaborados.
Sim, há semelhanças entre ambas as obras, mas felizmente, não são o essencial – Sorrentino distancia-se da obra prima satírica e trágica do Mestre europeu, proporcionando a todo e qualquer espectador um filme puro, com uma alma única e singular, sobre o nosso quotidiano, a triste situação de um país, marcada pelas angústias de um ser humano que quer combater os seus dilemas pessoais dando azo à criatividade, que tanto o auxiliou a criar uma única obra literária, que marcou a sua chegada à fama entre as várias camadas sociais de Itália – e as consequentes transformações que marcaram a sua vida pessoal e boémia.
A Grande Beleza é um filme sobre o vazio, estético e moral, de um ser humano em fase de decomposição, que se refugia na felicidade ilusória, proporcionada vida luxuosa das festas caras e excessivas que animam Roma, noite após noite. Se começamos por entrar neste mundo com uma cena ensurdecedora e musicalmente cacofónica, que nos mostra a grande mixórdia de luzes, sons, sentimentos e amores que se desenrolam entre as pessoas mais ricas da cidade, talvez possa parecer, a princípio, que o objetivo de Paolo Sorrentino apenas se limita a ilustrar cinematograficamente, como se fosse um documentário, a vida desta classe alta italiana.
Não: o cineasta de As Consequências do Amor e Il Divo vai mais longe, presenteando-nos com uma retrospetiva filosófica, política, ética e artística sobre os maiores males da contemporaneidade. A decadência social corresponde à decadência cinematográfica criada pelo cineasta, num ambiente em que as feridas se escondem para não danificarem a boa imagem que se aparenta ter na maior das elites italianas, cujos membros são peculiarmente intelectuais (e não pelas melhores razões – são um dos maiores alvos de sátira de Sorrentino), em que o mais pequeno pormenor pode destruir a popularidade e o “status” de qualquer um.
Espetáculo visual, e por vezes histérico, sobre os defeitos de todos os personagens, que criticam os outros e são por eles também objeto de maledicência, A Grande Beleza joga com a desilusão de Jap, que o faz deambular por Roma, descobrir novas experiências e reencontrar velhos amigos e memórias muito antigas que já estavam, aparentemente, fechadas a sete chaves no baú poeirento do pensamento. Maior parte das cenas da narrativa podem parecer bizarras (acompanhadas por uma invulgar e versátil banda sonora), mas fazem-nos refletir sobre realidades e personagens indissociáveis da atualidade e que, infelizmente, conhecemos bem demais.
A Grande Beleza é um filme que tristemente se auto-contempla, por ser um retrato duro e cru da banalidade da sociedade massificada e desprezível que domina os padrões atuais. Espezinha o egocentrismo das personagens e dá atenção ao olhar vazio do protagonista, sinónimo de outro vazio: o da vida mundana que ele leva há já tantos anos – e talvez não seja fácil livrar-se dele, de um momento para o outro…
Sátira burlesca ao burlesco das relações humanas, o filme possui uma história labiríntica e questionável, mas que nos agarra e dela não nos deixa descansar a vista, revelando os tiques e os rituais desnecessários de uma sociedade que sempre aparenta ter e ser mais do que aquilo que a verdade mostra. Entre as coisas sagradas e os elementos profanos que vemos serem expostos no filme, descobrimos e revelamos um ciclo da vida, e de vidas que esperam a morte para terminarem o seu contínuo e progressivo de desastre físico e psicológico.
Impressionante fresco do caos das mentalidades e da ruína de almas devido às mais pequenas e inúteis justificações, A Grande Beleza é só uma grande obra cómica e dramática singular a chegar a Portugal, que tem como protagonista um dos melhores atores europeus da atualidade, Toni Servillo, que aqui arrasa na sua melhor parceria com Paolo Sorrentino. numa obra com uma belíssima fotografia e uma fabulosa realização.
Sendo o mais provável vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, A Grande Beleza não envereda por caminhos normativos ou convencionais, como tantos nomeados pela Academia dos últimos anos. Uma análise séria, mas ao mesmo tempo provocadora, excêntrica, e divertida até, da sociedade italiana (mas poderia ser outra qualquer) da qual Paolo Sorrentino saiu claramente vencedor, criando um dos mais desconcertantes títulos do ano.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário