Aos 23 anos a gente pensa que pode mudar o mundo. Um pouco mais tarde, buscamos alterar não todo ele, mas uma parte. Depois, reconhecemos que, quando muito, podemos transformar a nós mesmos. Ainda mais tarde, percebemos que mudar o mundo e mudar a nós mesmos é a mesma coisa. Xavier Dolan tem 23 anos e Laurence Anyways (Laurence Anyways, Canadá, França, 2012), que estreia no dia 02 novembro e esteve em cartaz na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, já é seu terceiro longa. De posse da informação sobre a idade do diretor, é natural que a audiência (eu, pelo menos) espere do filme o vigor característico da juventude revolucionária, mas a imaturidade da linguagem na discussão sobre o tema proposto (qualquer que seja ele). “Isso só poderia ter sido filmado por alguém jovem”, teria dito uma amiga na saída do cinema.
Contudo, me enganei quanto à superficialidade no tema tratado. Laurence Anyways acompanha dez anos de relacionamento entre o Laurence do título e a “agitadora cultural” Fred. Cabe ressaltar que Fred é, de fato, uma mulher. Ao longo desse tempo, o protagonista reconhece sua transsexualidade e a comunica a Fred que, não sem sofrimento, decide apoiar a transformação do namorado e continuar se relacionando com ele enquanto for possível. Seria fácil cair no discurso panfletário, indulgente ou apocalíptico, ou abordar a questão por um viés pouco profundo. Não é o que ocorre. Dolan, apesar da pouca idade, mostra o tema de maneira plural, sem a utopia do mundo perfeito e acolhedor, mas também longe do armagedon que culmina quase sempre com a morte. As questões sociais direta ou indiretamente ligadas à transsexualidade estão presentes, entretanto a opção por dar mais ênfase à intimidade dos personagens foi acertada. Neste ponto, destaque para a atriz Suzanne Clément, que interpreta de forma visceral a apaixonada Fred. Sua atuação lhe valeu o prêmio de melhor atriz em Cannes. Aliás, atriz e personagem ficam lindas com o penteado topete-pica-pau-joãozinho.
No campo da linguagem, minha expectativa foi atendida. O filme tem várias ousadias que comunicam pela força metafórica dos elementos. A revelação de Laurence sobre sua vontade de mudar de gênero, por exemplo, acontece dentro de um carro no lava-rápido. A cena se presta a várias interpretações, inclusive a de lavagem de alma. Há ainda a borboleta que voa após sair de uma boca, um grande volume de água caindo sobre Fred sentada no sofá ou ainda a chuva de roupas coloridas, só para citar alguns exemplos. A trilha sonora é outro ponto alto e conta com clássicos como Bette Davis Eyes (Kim Carnes), Enjoy the Silence (Depeche Mode), The Funeral Party (The Cure) e Pour Que tu m'aimes Encore (Celine Dion).
É verdade que os 170 minutos do filme são longos e demonstram uma certa pretensão em construir um épico. Mas, diante do mérito de conseguir contar a história de alguém que, mudando radicalmente a si, também muda o mundo ao seu redor, esse é um defeito menor.
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