Muita gente vai torcer o nariz para Antiviral (Antiviral, Canada, EUA, 2012) com a mesma intensidade que o filme vai revirar seus estômagos. Em uma das exibições do filme durante a 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, vários espectadores deixaram a sala de exibição antes que o longa terminasse. Em sua estreia mundial, na mostra paralela do Festival de Cannes, Un Certain Regard (Um Certo Olhar) também teve gente que abandonou o cinema. A temática, a venda de doenças de celebridades, que já causaria estranhamento se o diretor estreante Brandon Cronenberg não tivesse dado o tratamento que deu às cenas, ganhou contornos de tortura com suas escolhas estéticas. E eu gostei.
A ideia é bizarra, mas muito original. Em um tempo em que o culto às celebridades é elevado a proporções estratosféricas (qualquer semelhança com a nossa realidade, não é mera coincidência), clínicas de “biotecnologia farmacêutica” comercializam vírus de doenças dos famosos. A lógica é que contrair uma doença cujo vetor teria passado pelo corpo de uma celebridade tornaria o fã e o ídolo conectados de alguma maneira. Tudo isso é feito com a anuência dos famosos, que assinariam contratos de exclusividade que preveem que eles só vendam suas pestes para uma determinada clínica, em troca de vultosas somas em dinheiro. Além de tudo, para evitar que as pessoas se contaminem entre elas, fazendo com que as doenças perdessem a característica da exclusividade, os vírus são modificados geneticamente para que não sobrevivam além do primeiro hospedeiro que pegar a doença depois de vendida.
Aceitar que história do filme tem alguma verossimilhança é difícil exatamente porque ele subverte muitas lógicas sociais às quais estamos acostumados. O “normal” é prezar pela saúde, não procurar a doença. O que a indústria farmacêutica busca é a eliminação dos vírus, não sua criação em cativeiro. É exatamente nessa história fantasiosa, metáfora de uma dura crítica social, que Antiviral mostra sua força. Mérito para Brandon Cronenberg que assina o roteiro, além de dirigi-lo. Em tempo, o sobrenome denuncia que seu pai é David Cronenberg, diretor de Cosmópolis (Cosmopolis, Canadá, França, Portugal, Itália, 2012), ainda em cartaz.
A autenticidade do roteiro exime Cronenberg filho do caráter pretensioso de sua direção. Arrisco dizer que, desde Shortbus (Shortbus, EUA, 2006), que também estreou em São Paulo na Mostra, não vi nada tão ousado no cinema. Evidentemente, a ousadia daquele, relacionada à liberdade e ao sexo, não é a mesma deste, relacionada à morbidez e ao nojo. Closes de injeções, feridas, infecções e edemas aparecem aos montes. Mesmo cometendo alguns excessos estilísticos (como a revelação de que a carne de restaurantes é processada a partir da multiplicação de células de celebridades), as escolhas estéticas e narrativas de Antiviral revelam que o diretor e roteirista tem talento. Vale a pena prestar atenção nele daqui para frente.
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