A guerra e o comportamento humano sobre a ótica de Kubrick.
Stanley Kubrick é considerado por muitos um exímio diretor, possui em sua filmografia filmes aclamados pela crítica e pelo público, como “Lolita” (1962), “2001: Uma Odisséia no Espaço” (1968) e “Laranja Mecânica” (1971). Seus filmes continham muitas particularidades, sobretudo, temática abrangente e polêmica, ressalta-se a representação da ‘guerra’ que esteve retratada em “Nascido Para Matar” (1987), “Dr. Fantástico” (1964) e “Fear and Desire” (1953), a crítica a guerra esteve presente nesses filmes, seja através de uma reprodução comportamental dos indivíduos confinados nas trincheiras, das dificuldades nos campos de batalha ou mesmo através de uma linguagem dotada de sarcasmo e ironia. O filme em questão, “Glória Feita de Sangue” (1957) foi o segundo longa de Kubrick a utilizar a guerra como a estruturação dos conflitos de seus personagens.
“Glória Feita de Sangue” foi baseado no livro de Humphrey Cobb, que também assina o roteiro junto a Kubrick. O filme passa-se na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), onde um grupo de soldados franceses é intimado pelo General Mireau (George Meeker) – que visa uma promoção preferida por seu superior, General Broulard (Adolphe Menjou) – a atacar as tropas alemãs, poderia ser uma batalha habitual em uma guerra, entretanto, o número de soldados franceses é claramente inferior aos soldados rivais, tornando tal ordem implausível, sendo, sumariamente um ataque suicida e tolo. Alguns soldados seguem a determinação proferida pelo general, acabando evidentemente por falecerem no campo de combate, dessa forma, os demais soldados que não saíram da trincheira vê-se impossibilitados de dar continuidade a batalha.
Contrariado pela falha do ataque, Mireau culpa o regimento de covardia, como o intuito de atribuir à responsabilidade da fracassada ordem ao comportamento dos soldados, Mireau ainda tenta convencer Broulard a punir com a própria vida 100 soldados do regimento, para serem modelos as demais tropas, todavia o Coronel Dax (Kirk Douglas) discorda dessa penitência e tenta interceder a favor do seu regimento, conseguindo diminuir para 3 o número de soldados que sofreram repressão. Dax, ainda não satisfeito, tenta encontrar meios para salvar os soldados escolhidos do triste destino que os espera.
“Glória Feita de Sangue” não trata apenas as dificuldades em lidar com o exército inimigo, sobretudo, apresenta que os inimigos podem estar do mesmo lado que você, e em uma escala hierarquizada, o lado mais frágil é potencialmente o centro de todos os erros. Torna-se evidente que a megalomania do General Mireau é o mote crucial da trama, sua ambição egocêntrica sobressai ao senso de humanidade, para alcançar uma vantagem pessoal ele não incita a condenar a vida dos outros. Afinal, quanto vale a vida de meros soldados em relação a um posto militar de visibilidade?
A análise contra a guerra e os malefícios oriundos a ela está presente durante toda a projeção, são demonstradas também as péssimas condições das trincheiras, a ausência de uma vida social saudável, a estafa e a humilhação dos soldados, em contrapartida, a elite militar vive em uma espécie de palácio, com ostentação de riqueza, baile de gala, banquete e todo conforto que julgarem apropriado, uma contradição extrema e plenamente desigual de pessoas que pertencem ao mesmo grupo.
Kirk Douglas está intenso no papel de Dax, é possível notar um olhar idealístico quando o ator está em cena, uma indignação ponderada quanto aos absurdos por intermediar a relação de generais e soldados. Porém, George Meeker mantém-se brilhante na pele do ignóbil Mireau, a postura e a gesticulação arrogante e prepotente causa-nos aversão ao personagem, recordando Adenoid Hynkel vivido por Charles Chaplin em “O Grande Ditador” (1940), mas sem um vestígio de humor implantado por Chaplin, o que nos remete a uma espécie de discípulo de Adolf Hitler.
Stanley Kubrick realiza um grande trabalho explorando o quanto a guerra extinguiu os seres humanos, não somente numericamente, mas em valores humanitários, onde a empatia não tem lugar, onde para sobrevivermos é necessário seguir a ética dos poderosos (ser ‘bom’ diante seus olhos), caso contrário seremos reprimidos e censurados por nossos atos, o que, segundo palavras do conhecido filósofo Friedrich Nietzsche constitui uma ‘camisa de força social’ para tornar o homem domesticado.
O final poético e dramático, faz “Glória Feita de Sangue” se imortalizar entre um hall de filmes inesquecíveis e indispensáveis para conferir antes de morrer. Não há como não surgir em nossa mente o seguinte questionamento, o que se consegue e o que se perde com a guerra?
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