Você quer conhecer o inferno? Ele é aqui!
A fala é dita num momento de fúria por Hermano, o personagem vivido por Francisco Miguez, para o seu pai. E o inferno a que ele se refere é a escola onde estuda. E não, não é nenhuma escola caindo aos pedaços de uma favela, pelo contrário, Hermano estuda numa escola de classe média alta. E é lá que o inferno se dá.
As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky, é uma baita surpresa boa. Reconhecer a qualidade do atual cinema nacional está cada vez mais fácil, sem dúvida. Porém, o cinema de qualidade do Brasil ainda está muito restrito a certo tipo de gênero, que poderia ser classificado como uma espécie de policial sanguinário. Quando se trata de um filme urbano, de classe média, o medo de nos depararmos com um episódio de Malhação estendido é louvável. Confesso que nos primeiros minutos de projeção, ao ver o nome de Fiuk e Paulo Vilhena nos créditos, eu já estava pensando: Em que diabos fui me meter? Puro preconceito.
Hermano e Pedro (o filho lindo de Fábio Júnior) passam por frustrações comuns na vida de qualquer adolescente, Pedro numa escala maior e mais dramática, mas ainda bastante crível dentro de sua redoma de vidro. Os dois dividem um grande drama em comum: o pai, Horácio (vivido discretamente por Zé Carlos Machado), abandona a família ao descobrir sua verdadeira sexualidade e passa a morar com o namorado, Gustavo (Gustavo Machado). Horácio não deixa de prover nada para a família, ele continua a cumprir seu papel de pai dentro do possível, mas nada disso importa para os filhos, que sofrem as já esperadas gozações dentro da escola, o tão em voga bullying. Hermano chega a ser espancado por valentões bombados. E a cena em que os irmãos se abraçam, quando não aguentam mais a pressão, é de uma sinceridade sensacional.
Aliás, o bullying é um dos temas-chave da película de Bodansky. Duas garotas, uma linda, loura e peituda e a outra, que se veste como um garoto, também sofrem nas mãos desses adolescentes revestidos de hormônios em ebulição. A primeira é vitima devido a uma foto nua que vaza e vai parar no celular de todo mundo, a outra, bom, é óbvio, vítima da intolerância dentro dessa selva, em que o veadinho inofensivo da vez muda a cada semana. E tudo isso filmado por uma blogueira picareta, também aluna, que não mede escrúpulos para ganhar acessos no seu blog.
Denise Fraga, infelizmente, carrega uma carga dramática exagerada, com olheiras incompreensíveis e um senso de ética e postura como se fosse uma palestrante chata. Felizmente, ela é dona da mais bela cena do filme, e uma das mais belas, sinceras e originais passagens que já vi nos últimos tempos: no auge de seu desespero (ou quase auge, já que o filho mais velho tentará se matar mais tarde), ela e Hermano descontam suas raivas jogando uma dúzia de ovos na parede da cozinha. A gema escorrendo pelas fotos na parede é genial, ao representar, ao mesmo tempo, tanto a desconstrução daquela família aos pedaços quanto um renascimento da mesma. Maravilhoso.
Outra bela surpresa é a belíssima Gabriela Rocha, que interpreta Carol, a melhor amiga de Hemano e apaixonada pelo professor de Física, Artur (Caio Blat, também em um papel discreto, mas que sabe tirar o máximo dele). Rocha consegue com maestria deixar o seu personagem o mais natural possível e não se entregar aos maneirismos de telenovelas. E para finalizar esse mar de surpresar, temos um Paulo Vilhena interpretando Marcelo. Amadurecido, o papel do ator é de um professor de violão de Hermano, que pode ser encarado como uma espécie de pai para o menino. Vilhena leva seu papel tão a sério, que sentimos uma dorzinha no coração quando descobrimos que ele viajou para a Europa e não vai continuar com as aulas durante pelo menos seis meses. Já vale a sessão se o espectador mais exigente conseguir simpatizar desse jeito com Vilhena, e também com Fiuk, o personagem mais complexo da trama. Fiuk não é nem de longe genial, mas também tenta se livrar ao máximo da postura global que poderia tornar o personagem um burguesinho vazio.
Difícil tachar as falas dos adolescentes de clichês. Eu diria ser um clichê necessário, afinal, quando se tem 15 ou 16 anos, fica difícil elevar muito o padrão dos diálogos, que pode acabar se tornando algo forçado e pseudo-intelectual. Por isso acho que Bodanzky fez a escolha certa em manter certas expressões características dessa idade, com a devida habilidade de deixá-las mais naturais possíveis, o que às vezes não é totalmente bem-sucedido, porém mais por conta dos atores jovens (muitos começando a carreira agora) do que por um possível desleixo da diretora.
Sendo assim, com tantos aspectos positivos e um final, ao som de Something dos Beatles (interpretado pelo próprio Miguez), que deixa um gosto de quero mais (muito mais), As Melhores Coisas do Mundo pode não ser nenhuma obra-prima, mas é mais relevante do que a maioria das bobagens americanas lançadas por aí sobre adolescentes.
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