Em 1945 seria apresentada a primeira colaboração da parceria do diretor Alfred Hitchcock com a atriz Ingrid Bergman. Seria também a última do diretor com o poderoso produtor que o trouxe da Inglaterra para Hollywood, David Selznick. Através de sua famosa técnica, procurou abordar a psicanálise através de uma história de romance. Reclamando muito sobre o controle criativo imposto por seu produtor, Hitch desta vez não obteve a excelência como de costume. Quando Fala o Coração tem alguns bons momentos e uma trama original, mas é irregular e peca pela previsibilidade e pela inverossimilhança.
A narrativa se inicia quando uma bela psiquiatra, Dra. Petersen (Bergman), se apaixona pelo novo chefe do departamento, Dr. Edwardes (Gregory Peck). Ao desconfiar dele pelos estranhos comportamentos que apresentou, a Dra descobre que já é tarde para abandoná-lo pois está apaixonada, e tudo que sabe é o que seu coração diz: ele é inocente das acusações de assassinato que vem recebendo. Assim, parte com seu amado em uma jornada na tentativa de recuperar sua memória e sua sanidade. Somos então conduzidos à uma interessante sequência de acontecimentos.
Já adiantando, em qualquer momento durante o longa a inocência do protagonista é questionada pelo espectador: sabemos desde o princípio que ele é uma vítima. A previsibilidade trabalhou contra a criação de mais um convincente universo de suspense pelo mestre Hitchcock. Também, o ótimo ator Gregory Peck não estava em um de seus momentos mais inspirados nesse filme, mas quase que somente por conta das cenas de desmaio. Mesmo assim, por ser um galã típico, sabia representar bem em cenas de romance.
Ingrid Bergman era uma grande atriz. Seu sorriso cativante e seu olhar apaixonado deveriam ser capazes de convencer a qualquer homem mortal. Mas a súbita e tórrida paixão de sua personagem pelo personagem de Peck, gerando inclusive o abandono de seu trabalho em uma jornada criminosa, não soou lá muito convincente. Muito embora a atriz tenha representado o papel que lhe fora proposto com absoluta competência.
Temos também interessantíssimas sequências. Quando a carta é pisada pela multidão que entra no quarto da Dra. Constance, temos uma aula de como se fazer suspense. Quando a verdade vem à tona no final, o assassino é finalmente revelado, e a protagonista o convence com seu discurso e depois deixa o quarto para ve-lo se suicidando, temos mais uma afirmação de que nenhum filme de Hitchcock pode passar sem uma sequêcia que ficou para a história do cinema. Acima de tudo, o grande destaque vai para as sequencias dos sonhos alucinados. Um cineasta trabalhando com um dos grandes pintores da época, Salvador Dalí, não poderia dar outro resultado: um envolvente surrealismo que causa compreensão e confusão ao mesmo tempo.
Para olhos não muito exigentes, Quando Fala o Coração nos dá uma boa peça de entretenimento. Mais romance que suspense, busca compreender como o coração sobrepõe a lógica de uma inteligente e competente profissional do ramo da psicanálise. Em momento algum se torna entediante, sua história vai se renovando de maneira satisfatória e ganha fôlego a mais no fim quando um assassinato é cogitado (e confirmado). Seus personagens pouco verossímeis pouco convencem realmente, mas quando se trata de uma obra essencialmente romântica, tal fato deve ser deixado de lado.
Se um filme fosse só técnica, esse aqui beiraria a excelência. O universo misterioso criado pela união da tensa trilha sonora (oscar) com a fotografia em preto-e-branco e as envolventes imagens criadas pelo diretor, sempre dispondo seus atores de forma estratégica e inteligente, faria qualquer bom roteiro se transformar em uma obra-prima. Infelizmente, bom roteiro ficou em falta dessa vez.
Aqui, Hitchcock despede-se de Selznick numa parceria rendeu ótimos momentos, como Rebecca (1940), A Sombra de uma Dúvida (1943) e Sabotador (1942), mas mesmo assim o poderoso produtor decidiu vender seu diretor e sua estrela feminina à RKO para realizar seu próximo filme. Vale lembrar também que o ápice da colaboração Hitchcock-Bergman se deu logo em seguida, em Interlúdio (1946): desta vez sim, já que não tinha Selznick em seu pé, Hitch realizou um grande filme.
Quanto a este, à primeira vista pode parecer um simples romance, mas é no fundo uma valiosa experiência para qualquer fã verdadeiro de Alfred Hitchcock.
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