Em 1966, Hitchcock juntaria um grande elenco com direito ao astro Paul Newman e uma recém-ganhadora do oscar Julie Andrews para criar mais um de seus ambiciosos suspenses, Cortina Rasgada. Ele só não podia adivinhar que seu roteirista, Brian Moore, faria um péssimo trabalho. Com um início extremamente promissor, a qualidade do filme entra em queda vertiginosa até chegar num final mais que entediante.
Para melhor entendimento, vou dividir minha análise em duas partes, a ótima primeira e a terrível segunda.
Um casal de cientistas, Michael Armstrong (Newman) e Sarah Sherman (Andrews), está em um cruzeiro em direção a Suécia. Livros, ligações, encomendas e passagens logo envolvem o espectador num intrigante suspense. As respostas são entregues aos poucos, e então é descoberto que Armstrong está indo para Berlim, por razão desconhecida. Sua noiva Sarah acaba descobrindo, e assim, curiosa, decide seguí-lo contra sua vontade. Para nossa surpresa, Michael agora trabalhará com o governo alemão para concluir seu projeto de anos: um escudo anti-míssil, em favor da humanidade. Uma trama interessante, mais ainda quando sabemos que alguma coisa está errada.
Hitchcock mostra que ainda está em forma ao nos presentear com várias ótimas sequências. Em especial, a tentativa de Michael em despistar seu seguidor alemão, Gromek, em um museu onde só o que se ouve são passadas, que é incrível. Melhor ainda é a tão comentada cena do assassinato do mesmo Gromek: uma demonstração de como é difícil matar um homem treinado, mesmo a dois. A sequência é lenta, dura e sufocante, e certamente entrou para a história. O curioso é a ironia desse assassinato: um soldado alemão morrendo sufocado por gás.
Ao descobrirmos as verdadeiras intenções do personagem de Newman, começamos a entrar na decepcionante segunda parte do filme. É uma pena, realmente. Até aqui, tinha certeza em estar assistindo a mais um dos grandes de Hitchcock, mas me enganei.
Pois bem, agora a segunda metade do filme.
Agora que finalmente conseguiram o segredo do cientista ao qual tanto desejavam, os protagonistas devem escapar da Alemanha oriental, devem ''rasgar'' a Cortina de Ferro, daí o título do filme. É então que sequências absurdamente forçadas nos fazem sentir em um daqueles filmes de comédia escrachada de espiões atrapalhados, que a única coisa pior que as improváveis enrascadas em que se metem são a maneira com que escapam delas.
Foi frustrante ver a doutora aliada passar uma rasteira em Newman e nenhuma das cinco pessoas que o acompanhavam perceber. Mais ainda, saber que um rosto anunciado na televisão não é notado em uma rua movimentada e sim por uma atriz/dançarina no meio de sua apresentação. No entanto, o ápice viria em uma daquelas cenas em que o herói está em uma situação impossível de se resolver: rodeado por uns 200 alemães armados em um teatro, Newman grita ''fogo'', e então, surpreendentemente, em menos de um segundo toda a platéia se levanta e começa uma multidão. Claro, com dificuldade conseguem escapar daqueles 200 guardas.
Que fique registrada a previsibilidade dessas sequências: como naqueles filmes de espião que citei atrás, por mais adversa que seja a situação, a platéia sempre sabe que os mocinhos irão escapar. Quando essas fugas começam a soar como desculpa, tudo parece irreal e o filme perde crédito.
Certo, na segunda parte ainda temos algumas faíscas do brilhantismo de Hitchcock na sequência do ônibus e na aparição daquela cômica senhora que deseja fugir para os EUA. Mas com já estava bem desanimado naquele ponto, até isso me pareceu forçado.
Antes do final, ainda temos mais um acontecimento inacreditável quando seu último aliado, aquele que os colocou em caixas, usando sua capacidade de vidente e prevendo que alguém irá descobri-los, começa a conversar com caixas vazias para atrair a atenção dos atiradores que, avisados pela atriz que estava no mesmo avião que os levou a Alemanha, começam a disparar contra elas. Claro, nesse momento os heróis já tinham deixado o navio e nadavam em direção ao porto.
Tudo é alegria, tudo dá certo e os heróis, apaixonados, escapam felizes com objetivo cumprido: os Estados Unidos venceu mais uma vez! Um final entediante e extremamente previsível a uma já instável trama. Na minha opinião, um desfecho no estilo Bonnie e Clyde (1967) na hora do teatro teria sido perfeito.
Enfim, um filme peculiar por possuir metades tão diferentes. Minha nota 5,5 representa uma média: 8 para a primeira parte e 3 para a segunda. Não exagero em dizer que Hitchcock, depois do ótimo Marnie, Confissões de uma Ladra (1964), começava a dar sinais de declínio. Porém, não credito o insucesso deste completamente ao mestre, muito menos aos atores, que estavam ótimos (principalmente os coadjuvantes). O descontantemento fica com o roteirista Brian Moore, que perdeu a mão e não soube dar continuidade ao início promissor de seu trabalho.
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